Escolas Médicas do Brasil

Contribuição de ex-alunos ainda é pequena no Brasil

 11/11/2009

Contribuição de ex-alunos ainda é pequena no Brasil

Universidades do país continuam a perder financiamentos alternativos

Publicado em 11/11/2009 - 15:00

 Por Larissa Leiros Baroni

A ausência de recursos públicos não foi suficiente para que o CIn/UFPE (Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco) desistisse da construção de um laboratório de alta tecnologia. Para viabilizar o projeto, no entanto, a captação da verba seguiu um caminho não tão habitual no Brasil, mas com potencial comprovado a partir de experiências de países como os Estados Unidos. Os cofres públicos foram substituídos pela generosidade de ex-alunos. E depois de dois anos de campanha junto à ALUMNI CIn (Associação de ex-alunos graduados e pós-graduados), as primeiras arrecadações foram viabilizadas. Dos mais de três mil profissionais cadastrados no banco de dados da instituição, apenas três doadores se mobilizaram. Atitude que rendeu R$ 400, mas que no fim tiveram que ser devolvidos por esbarrarem na regulamentação da própria instituição.

A história da universidade pernambucana resume o atual panorama do sistema de doações a instituições de Ensino Superior no Brasil. De um lado, baixo índice de receptividade dos ex-alunos. Do outro, o despreparo legal e estrutural das próprias universidades. "Essa cultura no País ainda é muito insipiente se comparada com outras nações da América do Norte e da Europa. No exterior, além de incentivos fiscais para os doadores, há legislações que amparam a arrecadação de verbas. Realidade muito diferente da nossa", conta Jordano Bruno Bulhões, gerente do ALUMNI CIn.

Nos Estados Unidos, por exemplo, a contribuição de ex-alunos a universidades públicas e filantrópicas é comum. Em 2006, a captação de recursos garantiu à Educação Superior americana US$ 41 bilhões. Os dados apontados pela AFP (Associação dos Profissionais de Captação de Recursos, na sigla em inglês) são superiores, inclusive, ao orçamento das 53 universidades federais brasileiras, que segundo a Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior) é de 15,4 bilhões.

Ainda que a quantia arrecadada pela UFPE pareça insignificante se comparada ao resultado das universidades dos Estados Unidos, Bulhões garante que a iniciativa teria sido o primeiro grande passo para a consolidação da cultura de doação no País. Mas nem ao menos os R$ 400 foram revertidos para a instituição. "A associação não é um órgão legal da universidade. Portanto, mesmo que usufruísse o dinheiro em favor dela não poderia ser justificado o repasse da verba depositada na conta da instituição para a ALUMNI", aponta o gerente, que justifica a ação da Procuradoria Geral da UFPE e da paralisação temporária da campanha de arrecadação. "Num prazo de até 30 dias, teremos o nosso próprio CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) para viabilizarmos as futuras doações", acrescenta ele.

O impasse burocrático também é reforçado por Custódio Filipe de Jesus Pereira, diretor-geral das Faculdades Integradas Rio Branco. "Além de tributar eventuais doações, o sistema legislativo brasileiro não facilita o processo, com a burocratização excessiva. Há casos, inclusive, em que a captação de verba não é concretizada por esbarrar em amarras de uma lei retrógrada", critica ele. Segundo Pereira, essas dificuldades são mais intensas nas universidades públicas. "O País já não tem a cultura de pedir, tampouco de cultivar os doadores, mas com o excesso de empecilhos para a aceitação de recursos, as mudanças se tornam ainda mais difíceis".

Foi com o intuito de transformar o atual cenário brasileiro que o deputado federal Alex Canziani (PTB-PR) criou o projeto de lei 6.260/2009. A proposta permite que os contribuintes deduzam no Imposto de Renda as doações que fizer a instituições públicas de Ensino Superior. "Se há incentivos à cultura e ao esporte, por que não ampliar o benefício para a educação - setor considerado prioritário no desenvolvimento do país?", questiona o deputado, que enfatiza a importância desse mecanismo para o fortalecimento do sistema educacional brasileiro. "Muitos dos profissionais que passaram por universidades públicas são bem-sucedidos e têm condições devolver parte dos recursos investidos neles a partir de doações, seja em dinheiro ou em livros e equipamentos. Falta estimularmos esse processo", declara o parlamentar.

A proposta de Canzini foi anexada ao Projeto de Lei 4847/09 do deputado Dimas Ramalho (PPS-SP), que tramita em caráter conclusivo na Câmara dos Deputados. A iniciativa será analisada pelas comissões de Educação e Cultura, Finanças e Tributação, e de Constituição e Justiça e de Cidadania. A OAB/SP (Ordem dos Advogados do Brasil - Secção de São Paulo) também elaborou um projeto de lei sobre aspectos jurídicos da captação de recursos para a educação. A iniciativa inclui a educação infantil, os ensinos Fundamental, Médio e Superior, assim como instituições públicas e privadas. "O documento foi entregue pessoalmente ao ministro da Educação, Fernando Haddad, em março de 2009", conta Pereira, um dos componentes do comitê de estudo do projeto.

Resultados positivos

Mesmo diante de todos os entraves, há muitas universidades que conseguem resultados expressivos a partir de doações de ex-alunos. A UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), por exemplo, viabilizou a construção de um centro de diagnóstico de endoscopia dentro do Hospital Universitário a partir da contribuição de um único doador. O banqueiro Aloysio Faria, ex-aluno da Faculdade de Medicina, doou R$ 4,3 milhões à universidade mineira. "A captação de recursos é apenas um desdobramento do relacionamento ativo que mantemos com nossos ex-alunos", explica Cecília Nogueira, diretora de relações institucionais da UFMG.

O relacionamento com o ex-aluno, na opinião de Cecília, não pode se resumir a captação de recursos. "Nenhuma relação pode ser duradoura se ela não tiver mão-dupla", enfatiza ela. Na UFMG, segundo a diretora, os contatos são estreitados a partir da criação de uma rede de trabalho, da divulgação de novos cursos, bem como na realização de festas de confraternização. "O antigo aluno precisa, primeiramente, se sentir integrado à comunidade acadêmica. Só assim será estimulado a contribuir", afirma a diretora. "Como um aluno vai se sentir motivado em ajudar uma instituição que só lembra dele para pedir dinheiro?", afirma ela.

Para Fábio Alessandro Affonso Antonio, gestor do FEA+ - programa de relacionamento com ex-alunos da FEA/USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo) -, a motivação das doações também está diretamente vinculada ao objetivo da ação. "Atribuir a baixa incidência de doações em instituições de Ensino Superior a um problema cultural não é correto. Caso contrário, campanhas como Teleton ou Criança Esperança não arrecadaria as metas estipuladas", alerta ele, que aponta a ausência de programas de arrecadação estruturados nos meios acadêmicos.

"Abrir única e exclusivamente uma conta para a universidade não é suficiente. É preciso direcionar a arrecadação a um projeto específico, seja para a construção de algum laboratório ou para a criação de um fundo de bolsas de estudos", ressalta Antonio. Foi seguindo esse caminho que o FEA + arrecadou R$ 400 mil de 405 doadores para a reforma da fachada da faculdade, com a escultura de Tomie Ohtake. "As doações foram concretizadas em escalas de no mínimo R$ 100 e com opção para os profissionais que tinham interesse de contribuir com mais de R$ 1.000", explica ele.

As iniciativas, no entanto, não se restringem as universidades públicas. O Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa - antigo IBMEC São Paulo) também recorre às doações de seus ex-alunos para a concretização de projetos especiais, entre eles a manutenção de um fundo de bolsas. "A medida, atualmente, beneficia 208 alunos de baixa renda, ou seja, 10% do corpo discente da faculdade", aponta Camila Du Plessis, gerente de Relacionamento Institucional do Insper.

De acordo com ela, a meta anual de arrecadação da faculdade - estabelecida em R$ 500 mil - já foi batida. "Grande parte do apoio está vinculado a empresas, que têm seus nomes estampados em sala de aulas, bibliotecas, laboratórios ou corredores", descreve ela, que também ressalta o crescimento das doações de pessoas físicas. "São os próprios doadores que definem a quantia e o período das contribuições. Ainda que os valores sejam pequenos se analisados no conjunto fazem toda a diferença", aponta Camila.

Por que contribuir?

As doações, na opinião da gerente do Insper, não devem ser realizadas com a intenção de obter retorno pessoal. "Não há como condicionar o apóia à universidade a um pensamento altruísta. Até porque as recompensas de qualquer doação - independente da sua natureza - são bastante abstratas", afirma Camila. Ela, no entanto, enfatiza a importância da prática para o desenvolvimento da educação no Brasil. "Benefício que poderá ser indiretamente usufruído por todos os brasileiros", acrescenta ela.

 

 
Para alguns profissionais, contribuir financeiramente com a sua antiga instituição representa uma retribuição aos conhecimentos adquiridos. "Processo ainda mais evidente entre os ex-alunos de escolas públicas, que se vêem na obrigação de devolver à sociedade o investimento que teve com a educação dele", comenta Cecília. Pensamento que impulsiona o advogado Luis Rodolfo Cruz, 34 anos, a reservar mensalmente parte de seu orçamento para o Isper e para a PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).

"Quando recebi o e-mail sobre a campanha de doações do Insper, me identifiquei com a proposta e decidi contribuir. Sei o quanto é importante manter um fundo de bolsas. Na graduação, por exemplo, enfrentei alguns problemas financeiros e se não fosse o programa de auxílio da faculdade não teria concluído o curso", conta Cruz. Ele, no entanto, não restringiu sua colaboração apenas a instituição responsável pela sua formação no MBA. Hoje, também auxilia a PUC-SP, universidade onde concluiu o Ensino Superior. O valor das doações não foi revelado por Cruz. "Posso dizer que se unido ao dinheiro de outros doadores faz uma grande diferença para muitos estudantes", resume ele.

Mas mesmo tendo recebido toda a formação básica em escolas brasileiras, é em uma universidade estadunidense que o empresário Eduardo Wagner investe seu esforço e parte de seus recursos financeiros. Enquanto o ex-aluno da Wharton School ainda mantém vínculos com a instituição, sua relação com a FGV (Fundação Getúlio Vargas) - instituição em que conquistou o diploma de nível superior - se restringe exclusivamente à memória. São R$ 150 por ano destinados ao Wharton Clube do Brasil, além da dedicação ao cargo de presidente da associação que visa promover a integração dos ex-estudantes do instituto vinculado à Universidade de Pennsylvania.

"A construção do meu relacionamento com o Wharton se iniciou na matrícula do curso, se fortaleceu no decorrer das aulas e se mantém até hoje. O mesmo, no entanto, não aconteceu na FGV. A instituição brasileira jamais me procurou para esse fim", garante Wagner. Diferenças que, de acordo com ele, o levaram naturalmente a optar em colaborar com a instituição estrangeira ao invés da brasileira.

De acordo com Bulhões, contribuir para o crescimento da escola em que se formou é contribuir também para o desenvolvimento do currículo. O gerente do ALUMNI CIn/UFPE acredita que qualquer formação é valorizada a partir da reputação da instituição. "Ou seja, se mesmo depois de formado o reconhecimento da sua universidade decai, o seu currículo perde o brilho no mercado de trabalho. Mas na medida em que esse status cresce nacional ou internacionalmente, sua formação é valorizada", explica ele.

As recompensas, segundo Wagner, não estão nas doações, mas na permanência de contato com a comunidade universitária. "Pertencer à associação de ex-alunos é criar uma rede com todos os formandos, assim como ficar por dentro das principais notícias do mercado de trabalho e do meio acadêmico", garante o presidente do Wharton Clube do Brasil.

Hoje no Universia


TAGS