CRIADOR E COORDENADOR: Dr. Antonio Celso Nunes Nassif
CRIADOR E COORDENADOR:Dr. Antonio Celso Nunes Nassif
Médicos cobram qualidade dos cursos superiores
23/10/2006
Além de pedir transparência na criação de cursos, especialistas temem que, com a proliferação de escolas, haja queda acentuada na formação de novos profissionais e piora no atendimento
(Izabela Ferreira Alves/Estado de Minas)
Membro do Conselho Nacional de Educação (CNE) e vice-presidente da Câmara de Educação Superior, o professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Paulo Barone apóia um sistema de regulação da educação superior independente de estruturas de governo. "A autorização para abertura das graduações devia ser concedida por uma agência independente", defende. Para ele, os integrantes desse organismo não poderiam fazer parte de entidades representativas de classe ou conselhos. "Seria o mesmo que lotear os interesses. O quadro devia ser técnico, instituído por concurso, com carreiras de estado e dotação orçamentária", sugere.
Com a publicação do Decreto Federal 5.357, ele afirma que o processo de criação dos cursos de medicina perdeu o caráter de deliberação coletiva. "Mas do jeito que estava, o processo tinha se tornado uma disputa de poder. Não há ilegalidade na decisão do governo federal e, graças a ela, o CNE passa a desempenhar sua atividade fim, que é atuar no credenciamento e recredenciamento", diz. Antes da nova legislação, somente universidades e centros universitários eram avaliados pelo conselho, menos de 20% da rede de 3º grau. Agora, todas as faculdades precisam passar pelo crivo do CNE para se manter no sistema federal de ensino superior e o MEC, respaldado pela Constituição Federal, pode ser o único órgão do poder público a julgar os processos de criação de cursos.
O decreto prevê ainda mais transparência à tramitação dos projetos de autorização de graduações. Funcionários da Secretaria de Ensino Superior (Sesu), braço do MEC que ficará responsável por esse processo, participam de treinamento para aprender o E-MEC, novo sistema operacional de gestão das informações. "Ele é um aperfeiçoamento dos programas aplicados hoje e vai poder ser acessado pela internet", afirma. O conselheiro não vê problema na criação de mais cursos de medicina no Brasil. "O Plano Nacional de Educação, publicado pela União em 2001, estabelece que o país precisa ter 30% dos seus jovens matriculados no ensino superior até o fim da década. Absurdo é tanta gente querer fazer medicina por status, sem vocação", diz.
Já o diretor do Hospital Pronto Socorro (HPS)João XXIII e coordenador geral da Central MG Transplantes, o médico Charles Simão Filho, não vê com bons olhos a possibilidade. "A medicina não pode ser reduzida a uma simples concorrência de mercado. Temo pela qualidade dos profissionais egressos desses cursos, porque os mesmos conhecimentos passados a um médico, que atua com procedimentos de alta complexidade, têm que ser passados àqueles empenhados na atenção básica em saúde", compara. Entre as dificuldades, ele enumera a falta de cadáveres, pacientes, hospitais credenciados para residência e aulas de clínica médica. "A rede já tem médicos suficientes. É preciso criar, em vez de cursos, políticas salariais e condições de trabalho dignas para interiorizar os profissionais", destaca.
O médico recém-formado e cirurgião geral do HPS Pablo Acácio Oliveira Nunes Leal, de 27 anos, ressalta o aumento de erros médicos. "É incabível criar mais graduações comprometendo a vida das pessoas", lamenta. Em 2003, segundo o Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRMMG), foram instauradas 289 sindicâncias e 43 processos éticos profissionais. Conforme levantamento feito até setembro deste ano, já são 932 ações no total. "Cerca de 10 mil alunos estudam no exterior e, quando se formam, retornam para o Brasil. Já temos 159 escolas médicas, nove a mais que a China e 19 a mais que a Índia. A criação de mais 107 cursos é duplamente preocupante, porque consolida a política partidária de concessão e abre a guarda para requisitos mínimos que deviam ser exigidos. Destruiria por completo o ensino da profissão no país”, afirma o doutor Antônio Celso Nunes Nassif, ex-presidentes da Associação Médica Brasileira e do Conselho Nacional de Saúde.
Análise da notícia
Todos os anos, nas diversas universidades do país, o curso de maior procura nos vestibulares é o de medicina. As mensalidades são as mais altas e o mercado de graduação altamente rentável. Os últimos anos foram marcados por alterações profundas em todos os setores da área de saúde, a começar pelo ensino médico, que envolve 159 escolas. As últimas 55 foram criadas neste começo de século, sem análise criteriosa de necessidade social. Num país que, em 1960, havia 29 instituições médicas, esse festival de cursos é anúncio de desemprego e queda na qualidade dos serviços prestados na rede pública.