Escolas Médicas do Brasil

Brasil lidera em cursos de medicina

 23/10/2006


MEC pode autorizar mais 107 cursos para formação de médicos no país, sendo 11 em Minas. Entidades informam que há escolas demais e questionam qualidade do ensino

(Izabela Ferreira Alves/Estado de Minas)



O Ministério da Educação (MEC) estuda autorizar a abertura de mais 107 cursos de medicina no país, 11 deles em Minas. A informação é confirmada por fontes do ministério e pelo professor Antônio Celso Nunes Nassif, ex-presidente da Associação Médica Brasileira e do Conselho Nacional de Saúde e docente da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mas o assunto é tabu no MEC. Oficialmente, são confirmados 70 projetos em tramitação, seis no estado. Questionado sobre as autorizações, o ministro da Educação, Fernando Haddad, prefere não se pronunciar e o tema não pode ser discutido no governo federal. Segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM), desde o início da enxurrada de novas graduações, nos anos 1990, os erros médicos subiram mais de 1.000%. O CFM defende suspensão das liberações por 10 anos e o Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRMMG) também luta para barrar as tentativas.

Entre universitários, professores, membros do Conselho Nacional de Educação (CNE) e entidades representativas da categoria reacende o debate sobre a qualidade das graduações e o poder das autorizações como moeda de troca política. Principalmente, porque a União centralizou todo o processo de autorização dos cursos de medicina, mercado altamente lucrativo. Antes do Decreto Federal 5.357, de maio deste ano, cabia ao MEC preparar relatórios sobre os projetos encaminhados à Secretaria de Ensino Superior (Sesu) e remetê-los ao CNE. Na Câmara de Ensino Superior desse corpo coletivo, formada por educadores, dirigentes de escolas e reitores, era designado um relator e as solicitações eram apreciadas in loco. A partir dessa visita, era dado parecer, votado em assembléia e enviado ao MEC, que homologava o pedido, como órgão executivo do sistema educacional.

Se o relatório do CNE fosse favorável, o ministro oficializava a abertura do curso por meio de portaria publicada no Diário Oficial da União. Agora, é incumbência do governo federal julgar, diretamente, os projetos. De acordo com o decreto, haverá ainda consulta a associações de classe e ao Conselho Nacional de Saúde (CNS), mas sem poder de veto. Na prática, a legislação não garante a participação dessas entidades. Prova disso é o fato de o CNS, desde 1996, não emitir parecer sobre o assunto, apesar de previsto em lei. "A situação de Minas é uma das mais graves, mas o conselho desistiu de participar desse processo, porque sua opinião não era levada em conta. Hoje, não é feita uma análise da necessidade social de uma graduação", afirma a secretária-executiva do CNS, Eliane Cruz.

Junto com os conselhos estaduais de saúde, o CNS, também corpo coletivo de estado, avaliava, com base no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de uma região, a pertinência de mais uma graduação médica para a população da área. "No estado, com o número de instituições existentes, não são necessários novos cursos, mas sim um redirecionamento dos profissionais", diz Eliane. Dados da Associação Médica de Minas Gerais (AMMG) confirmam a afirmativa. No Brasil, líder mundial em cursos de medicina, há um profissional para cada 580 habitantes; em Minas, a proporção é de um para 613 e, em Belo Horizonte, um para cada grupo de 180 pessoas. Hoje, 1.029 formandos são lançados no mercado mineiro, anualmente. O número pode chegar a 2.942, quando todas as 22 instituições, incluindo a Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), a mais recente autorizada a oferecer o curso, formarem a primeira turma.

Sem glamour

Para o médico residente do Hospital de Pronto-Socorro João XXIII Paulo Bastianetto, de 28 anos, o diagnóstico é prenúncio do caos. "A situação já está insustentável e não há justificativa para abertura de mais cursos no estado. Conseguir vaga na residência está mais difícil do que passar no vestibular. Os vestibulandos devem analisar bem a escolha da profissão, porque não há mais aquele glamour em ser médico. Hoje, com tantos profissionais desqualificados no mercado, por causa da autorização indiscriminada dos cursos, essa imagem caiu por terra", reclama. A residência, período em que o médico se especializa e tem a oportunidade de viver a realidade dos hospitais quase em tempo integral, não é obrigação curricular do curso. Em Minas, o número de vagas de primeiro nível, pré-requisito para os demais, credenciadas no MEC (820), não supre a demanda dos cursos já existentes.

Com a reforma universitária, o CNS tenta conquistar poder deliberativo e um novo alinhamento do processo de abertura das graduações, especialmente com a redefinição das incumbências de conselhos e organizações de controle social e maior interface do Ministério da Saúde (MS) com o MEC. Os conselheiros acreditam que o MEC tem condições técnicas para definir a grade curricular das graduações e demais aspectos pedagógicos. Já o caráter humano da formação e a maneira como os estudantes seriam inseridos no sistema de saúde pública deviam ficar a cargo do MS. Em síntese, o CNS prega a compreensão de cinco questões básicas, que norteariam a autorização de uma nova graduação – precisa-se de um profissional de saúde onde, para quê, por que, quem será ele e quais competências precisa ter.

Números

580 habitantes para cada médico no país

613 pacientes em MG para cada profissional; em BH, há um médico para cada grupo de 180 pessoas

1.029 formandos são lançados no mercado mineiro anualmente; o número pode chegar a 2.942 com as novas escolas

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