03/08/2020
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 133 vacinas promissoras contra o coronavírus estão sendo desenvolvidas. Como grandes potências mundiais, Estados Unidos e China possuem o maior número de pesquisas em desenvolvimento, juntas são responsáveis por 61 projetos.
Atualmente, a vacina mais promissora é desenvolvida pela Universidade de Oxford e que, devido a uma parceria com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), realizará testes clínicos no Brasil. Cerca de 1000 brasileiros residentes de São Paulo (SP), que atuam em profissões com exposição ao vírus, receberão a vacina.
Em entrevista ao UOL, Soraya Smaili, reitora da Unifesp, confirmou que essa parceria pode permitir com que o Brasil seja um dos candidatos prioritários para a utilização da vacina, caso a sua eficiência seja comprovada. Além disso, permitindo com que pesquisadores brasileiros tenham acesso à fórmula da imunização.
"Tendo acesso à vacina, nós temos capacidade de produção em larga escala, por meio dos nossos laboratórios nacionais de fato, como o Instituto Butantan, e os laboratórios da Fiocruz, entre outros" explica, em entrevista ao UOL.
Brasil contra o mundo
Além da parceria com a Universidade de Oxford, o Brasil possui pesquisas independentes. Segundo dados divulgados pela Associação Nacional de Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), existem mais de 800 pesquisas nacionais em desenvolvimento em 46 universidades federais brasileiras.
E as universidades privadas? De acordo com a Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes), não há nenhum tipo de levantamento sobre possíveis pesquisas. "O setor privado é de livre iniciativa, então normalmente, cada instituição custeia seus cursos e estudos", apontou a Associação em nota.
Entre esses estudos realizados pelo País, o Brasil possui algumas pesquisas em andamento e que fazem parte da lista da OMS. Uma delas é realizada pelo CTVacinas, uma iniciativa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), e está em fase de teste de bancada.
Já outra, que passou para a fase de testes em animais, é desenvolvida em uma parceria entre o Instituto do Coração (InCor) e a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP), com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de S. Paulo (Fapesp).
“Nós queremos estar na fase de testes em seres humanos no meio do ano que vem”, explica Gustavo Cabral de Miranda, cientista e coordenador da pesquisa de vacina contra o coronavírus em desenvolvimento pela USP.
A vacina desenvolvida pela equipe do Incor e da USP utiliza uma tecnologia diferente da imunização de Oxford. Utilizando partículas semelhantes ao vírus, também conhecida como VLP (virus-like particle, em inglês), para fazer com que o corpo tenha uma resposta imunológica, ou seja, desenvolva anticorpos contra o vírus.
Apesar do Brasil ser um dos países com tecnologia o suficiente para desenvolver a sua própria vacina, muito do potencial da pesquisa acadêmica foi perdido nos últimos anos.
Entre 2013 e 2018, o investimento recebido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que financia mais de 80 mil pesquisadores brasileiros, caiu de R$ 2,3 bilhões para R$ 1,3 bilhão.
Para Hugo Aguilaniu, geneticista e diretor-presidente do Instituto Serrapilheira, instituto privado de fomento à ciência no Brasil, o País tinha o potencial necessário para ser um dos primeiros na corrida pela vacina contra esse vírus, porém a queda no investimento tirou essa chance das mãos da pesquisa brasileira.
"No caso da crise da Covid-19, a resposta científica que o Brasil consegue dar corresponde diretamente ao investimento que foi feito nas últimas décadas. Se a gente tivesse feito um investimento muito forte em em tecnologia ou em estratégia de vacinação, é muito provável que nós já estivéssemos na corrida final para conseguir uma vacina. Você não consegue inventar isso no último momento", aponta.
Hugo ainda reforça que a pesquisa e tecnologia desenvolvida em um país definem a sua identidade cultural.
"Assim como a nossa literatura e arquitetura, a pesquisa faz com que o Brasil seja o Brasil, que não seja a Argentina, a França. O jeito que ele vai produzir, a sua ciência, é o que o define, e é essa identidade que tem um maior valor, mesmo que econômico. E isso é uma construção de longo prazo."
Comparando a sua experiência em universidades estrangeiras, Gustavo aponta que não é apenas a falta de financiamento que prejudica o andamento das pesquisas, mas também a visão deturpada de figuras públicas sobre a atuação das universidades brasileiras.
"Eu voltei no fim do ano passado, escutando essas coisas de que o que a universidade fazia era plantar maconha e laboratório sintetizar drogas. Foi preciso essa situação [pandemia] para as pessoas acreditarem as universidades e institutos de pesquisas públicos. Se a universidade e a sociedade andam separados, todos perdem", adverte.
Para João Viola, imunologista e diretor presidente do Comitê Científico da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI), se o investimento na pesquisa acadêmica e universitária tivesse aumentado na última década, o País estaria muito mais efetivo no controle da pandemia.
"A gente tem que lembrar que isso se destrói muito rapidamente e a construção é muito lenta. Nós demoramos muito para consolidar a nossa comunidade científica. Se você faz cortes, isso é rapidamente destruído, e, para você ter uma retomada, se toma muito mais tempo para restaurá-la. Não é fácil", analisa Viola.
Ciência contra Fake News
Nos últimos anos, as fake news, também conhecidas como notícias falsas, também se tornaram um tipo de pandemia. E, em escala mundia, a ciência foi de uma de suas grandes vítimas. Com isso, surgiram grupos de apoio à teoria da Terra plana, assim como o movimento antivacina e a distorção sobre o aquecimento global.
De acordo com um estudo da Kaspersky, cerca de 62% dos brasileiros não conseguem reconhecer uma notícia falsa. Além disso, o levantamento também apontou que 33% das pessoas utilizam e acreditam em informações compartilhadas em redes sociais para se informar. A receita perfeita para a propagação de fake news.
E, durante a crise de Covid-19, a situação não seria diferente. Diversas notícias falsas foram divulgadas, inclusive por políticos brasileiros, a fim de diminuir a gravidade da pandemia ou deslegitimar medidas de contenção da contaminação como, por exemplo, o isolamento social.
Porém, como a resposta para a cura e tratamento dessa infecção só pode ser desenvolvida por meio da pesquisa, a credibilidade na ciência voltou a crescer. Cerca de 76% dos entrevistados pela IDEIA Big Data declararam que o seu interesse em ouvir a opinião e orientações de cientistas e pesquisadores aumentou desde o início da pandemia.
"Eu acho que a gente está percebendo que a ciência está mostrando a sua necessidade para o desenvolvimento humano nas mais diversas áreas, não só na área médica e biomédica", celebra João Viola.
Para o diretor-presidente do Instituto Serrapilheira, apesar dos dados apontarem que a ciência ainda é um guia para a maioria das pessoas, a proximidade entre cientistas e a população precisa melhorar, seja em divulgação ou em figuras históricas.
Se o Brasil possui a mão de obra necessária e alguns polos com tecnologia de ponta, o que falta para que as universidades brasileiras cheguem ao patamar de universidades internacionais?
De acordo com os cientistas entrevistados para a reportagem, duas situações precisam mudar: falta de investimento e excesso de burocracia.
Essa situação faz com que o País perca diversos profissionais especializados. "Estamos passando por uma fuga de cérebros, que estão saindo do Brasil por falta de condição e estão indo para outros países que estão oferecendo trabalho", aponta o presidente do Comitê do Científico da SBI.
Outro inimigo da pesquisa brasileira é a logística burocrática. Isso faz com que o Brasil não consiga ser rápido e, consequentemente, competitivo o suficiente.
Durante o seu pós-doutorado, Gustavo lembra que ao pedir um determinado reagente ainda cedo, ao fim da tarde o produto estaria em seu laboratório. No Brasil, a compra de reagentes podem demorar até três meses para serem efetivadas.
“A demora aqui é angustiante, é de matar o desenvolvimento científico. Por isso, a importância da independência científica, a gente precisa ter os nossos insumos aqui”, enfatiza o pesquisador.
Outro empecilho citado, foi a falta de investimento contínuo. Como reflexo, a pressão pública é um dos principais fatores para que determinadas pesquisas recebam investimento.
De acordo com a Fapesp, no estado de São Paulo existem mais de 180 pesquisas sobre o Sars-CoV-2 ocorrendo atualmente. Montante que mobiliza cerca de R$ 270 milhões de financiamento da Fundação. A principal fonte de recursos da Fapesp é o repasse de 1% da receita tributária do Estado de São Paulo, sem ligação direta com o governo federal.
Apesar da Fundação manter o seu apoio às diversas temáticas de pesquisas, a urgência de determinados assuntos ainda é fator determinante.
"Os esforços da Fapesp para acelerar pesquisas relacionadas à Covid-19 respondem, é claro, aos desafios que a pandemia colocou para a ciência em todo o planeta. É a ciência que oferecerá resposta eficaz de combate ao novo coronavírus, ao tratamento e até à retomada da economia", afirma Luiz Eugênio Mello, diretor científico da Fapesp.
Essa mesma situação já ocorreu em outras pandemias e epidemias. "O melhor exemplo é o caso do zika vírus, a gente ia ter investimento, ia ter vacina e não temos nada. Quando estamos num momento de pressão ocorre o investimento, mas quando a poeira baixa os cortes acontecem", relembra Gustavo.
Ciência em favor da ciência
Apesar das incertezas da crise causada pela pandemia, algo certeiro é que a vacina contra o coronavírus será desenvolvida. Mais cedo ou mais tarde, os esforços realizados mundialmente darão frutos.
Fonte:
www.querobolsa.com.br