Escolas Médicas do Brasil

AMB, APM e um exame de habilitação para os formados em medicina

 21/12/2009

 

Os formados em medicina deveriam passar por um exame de habilitação, como a prova da OAB?

 

SIM - As dimensões da tragédia
JOSÉ LUIZ GOMES DO AMARAL e JORGE CARLOS MACHADO CURI


TEM-SE COMO certo serem os médicos profissionais bem preparados e atualizados, aptos a utilizar com precisão e segurança os mais modernos e eficientes recursos da ciência.

Quem confiaria, portanto, sua vida e a de seus familiares a um médico, caso houvesse dúvida quanto à sua qualificação? Não nos faltam, infelizmente, razões para duvidar. Pelo quinto ano consecutivo, o Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) documenta o despreparo de muitos de nossos futuros médicos: mais da metade dos estudantes submetidos à avaliação foram reprovados.

Visto ter sido a prova aplicada apenas em voluntários, muito provavelmente os resultados seriam ainda piores caso fossem todos obrigados a realizá-la. Há mais de uma década, as entidades médicas vêm reiteradamente alertando a sociedade sobre os riscos da abertura de escolas de medicina sem qualificação.

Tais denúncias, no entanto, não se mostraram suficientes para vencer os interesses econômicos e políticos associados à indústria do ensino superior. Assim, diante da permissividade de sucessivos governos e da frouxidão da legislação, vê-se hoje no Brasil 178 faculdades de medicina, em sua maioria desprovidas de suficiente corpo docente qualificado na área médica ou hospital universitário próprio.

Nessas instituições são anualmente autorizadas 17 mil novas vagas ao ano. É bem possível que esses 17 mil exerçam a profissão durante, pelo menos, 40 anos. Não é difícil estimar quantos brasileiros estarão sob seus cuidados. Se, na melhor das hipóteses, cada um deles atender diariamente dez pessoas e o fizer cinco dias por semana, 11 meses ao ano ao longo da carreira, terá visto um número próximo de 100 mil pacientes.

Aplicando a esse grupo os índices catastróficos registrados neste ano na prova do Cremesp (56% erraram, no mínimo, 40% das questões formuladas), teremos, na turma de formandos de 2009, cerca de 9.500 médicos incapazes de diagnosticar ou tratar corretamente 40% dos casos. Em outras palavras, comprometendo perto de 400 milhões de atendimentos.

Tem-se assim a dimensão do prejuízo que deixamos acumular a cada ano que adiamos a solução desse problema! Não resta a menor dúvida de que a solução passa pela moralização do ensino médico, aqui obrigatoriamente incluídas as avaliações das escolas e de seus alunos.

Insensível à situação calamitosa configurada acima, o Congresso há seis anos mantém na gaveta o projeto de lei 65/03, que estabelece parâmetros para autorização de abertura e renovação de cursos de medicina.

Até que esse projeto seja aprovado e passe a vigorar, não haverá respaldo jurídico sólido para impedir o funcionamento de escolas médicas sem hospital de ensino próprio, sem corpo docente médico suficiente vinculado ao hospital universitário e sem programa de residência médica associado, requisitos essenciais para instituições dessa natureza.

A legislação é necessária, porém não suficiente para garantir a qualidade dos graduados. Faz-se obrigatório também avaliá-los. Entendemos que o processo de habilitação para o exercício da medicina não se deve restringir apenas a uma prova de fim de curso. Ele tem de incluir avaliações externas, realizadas por instituição independente (como o Conselho Federal de Medicina e a Associação Médica Brasileira) e, possivelmente, aplicadas ao término do segundo, do quarto e do sexto ano.

As avaliações ao longo do curso permitem o redirecionamento de alunos sem vocação ou preparo e constituirão instrumento complementar para o credenciamento das universidades. Não se trata de ideia original. Esse modelo aproxima-se do adotado em países desenvolvidos que, há cerca de cem anos, passaram por circunstâncias semelhantes.

Não há outro caminho a seguir. Até quando vamos postergar uma decisão definitiva?

JOSÉ LUIZ GOMES DO AMARAL é presidente da Associação Médica Brasileira.

JORGE CARLOS MACHADO CURI é presidente da Associação Paulista de Medicina.


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