Escolas Médicas do Brasil

NOTA DE POSICIONAMENTO DOS ESTUDANTES DE MEDICINA DA UFPR.

 24/05/2013

 

 por Danc Ufpr (Notas) em Quinta, 23 de maio de 2013 às 22:13...

 O Diretório Acadêmico Nilo Cairo, órgão representativo dos estudantes de Medicina da Universidade Federal do Paraná, vem por meio desta nota, tornar público o posicionamento dos acadêmicos da UFPR quanto a mobilização "Revalida Já", tirado em reunião aberta, dia 17/05/13. Cabe então caracterizar o porquê do apoio crítico à mobilização da categoria médica e dos estudantes de medicina, e pontuar algumas potencialidades, limitações e críticas nossas a forma com que ela ocorre.

 Da necessidade de uma avaliação

 Países de todo o mundo tem métodos avaliativos para a revalidação de diplomas. Não que o Brasil deva simplesmente seguir a tendência ditada por outros países, mas o fato de inúmeros países terem processos unificados de avaliação (tais como Inglaterra, EUA, Austrália, Portugal) demonstra algo evidente: existem diferenças óbvias entre os padrões dos médicos formados ao redor do mundo, e o estado deve dar conta de fazer o ajuste burocrático necessário para que um profissional formado em um país exerça sua profissão em outro, com um padrão de qualidade referenciado por aquele outro país. Estas diferenças entre formações médicas não se limitam a dicotomia "bom ou ruim", mas tangem padrões epidemiológicos locais, manifestações culturais, idiomas diferentes, metodologias de atenção à saúde, entre outros itens. A avaliação assim posta tem papel de avaliar a compatibilidade entre as diversas práticas em saúde, sanar as dúvidas quanto à qualidade da formação do médico e, no plano legal, viabilizar a revalidação de um diploma.

No entanto, não devemos idealizar as práticas avaliativas. Disso, decorre também, não idealizar o REVALIDA. Ele possui todas as limitações que qualquer prova possui. Não terá capacidade de avaliar exatamente todos os aspectos formativos do indivíduo, nem a eficiência real de determinado médico, em todas as situações. Também, enquanto avaliação, esta sujeita a interesses de quem a aplica (sejam os do governo, ou os da categoria médica). Ainda, o REVALIDA, em específico, é um prova um tanto pontual, e não avalia em longo prazo a atuação do médico, tal como é feito em vários países por meio de avaliações contínuas, algumas vezes com a presença dos colegas de trabalho médico acompanhando o postulante a revalidação do diploma. Idealmente a prova teria que contar com isonomia, imparcialidade e abrangência, mas nem tudo ocorre como idealmente é concebido. Apesar disso, o REVALIDA é a prova da qual dispomos, e ela avalia pontos que são cruciais para a prática médica em território brasileiro. Ela é uma prova passível de melhoras, mas aboli-la não é e não será a solução, já que ela é essencial para a manutenção de um padrão de qualidade do médico que quer atuar no Brasil.

 Saúde Pública: porque o médico não vai para o interior?

 O trabalho humano pressupõe algumas condições dignas, sem as quais não é possível qualquer atividade. Por exemplo, não há possibilidade de o marceneiro transformar a madeira, se ele não possuir equipamentos e um lugar com condições que permitam o corte e moldura. Da mesma forma, como o médico pode trabalhar se não existir o material adequado ao trabalho digno?

No interior de muitas cidades brasileiras não existem clínicas, postos de saúde, hospitais ou qualquer ambiente propício ao trabalho em saúde. Nesses mesmos locais, não há planos de carreira ou perspectivas de desenvolvimento e atualização profissional. Em inúmeros municípios, bem diferente disso que é tido como necessário, não há sequer uma maca hospitalar que supra a necessidade da população de um local para se deitar e ser examinada. Sem condições, o exercício de uma medicina mais avançada do que um simples curandeirismo fica inviabilizado e os pacientes acabam sendo tratados de forma subumana. Caso haja complicações no tratamento, por exemplo, não existem meios de transporte rápidos disponíveis para levar o paciente a um centro de referência. No entanto, a responsabilidade por essas falhas não recai no governo ou na estrutura precária, mas sim no médico, culpabilizado em sua individualidade.  

Por que não existem essas condições de trabalho no interior do Brasil? Sabemos que somos um dos povos que mais pagam impostos, mas por que esse imposto não se converte em saúde? O financiamento da atenção à saúde, como se dá? Um diretório acadêmico da área da saúde se propõe a discutir temas como esses. Quem não tem essa oportunidade, ao analisar os gastos públicos e privados em saúde pode chegar a algumas respostas:

Todo descaso governamental com a saúde de nossa população não afeta apenas a ida e a atuação de médicos no interior! Os profissionais da saúde como um todo sofrem os efeitos disso. No interior há necessidade de enfermeiros, farmacêuticos, biomédicos, psicólogos, fonoaudiólogos, nutricionistas, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas e dentistas... Isso tudo posto em um momento da história em que não se concebe a saúde sem uma equipe multiprofissional, que promova a chamada "atenção integral à saúde". Logo, mandar somente médicos resolverá a questão da saúde no interior do Brasil? Assim colocadas as questões, não seria preciso investir em um sistema público, 100% gratuito e de qualidade, para suprir a necessidade de nosso povo em algo que é básico? As respostas parecem óbvias.

O governo federal, em seu projeto de trazer 6000 médicos para o nosso país, negligencia o fato de que o que realmente traz qualidade para a atuação em saúde é um conjunto de profissionais amparados tecnologicamente, e por essa tecnologia, a humanidade concebe desde esparadrapos, pinças e bisturis até recursos diagnósticos avançados, sem esquecer o quão essencial são, por exemplo, medicamentos. No papel de estudantes, não negamos a necessidade da população brasileira que vive no interior de receber médicos. Não é nem concebível para nós o fato de que o atendimento para os quais estamos em processo de qualificação seja negado insistentemente à população. Isso, no entanto, deixa de ser uma questão meramente humanística e de interesses pessoais e passa a ser uma questão política, porquanto é de responsabilidade de toda uma sociedade garantir que as pessoas que a compõe tenham acesso ao que ela produziu em termos de qualidade de vida. A garantia desses requisitos para uma vida com dignidade passa pela luta por essa saúde que queremos.

A entrada de 6000 médicos no atendimento primário, na forma como ele se dá hoje no interior do país, não deve ser visto como uma conquista da população que quer saúde com qualidade. O dinheiro que deveria ser utilizado para estruturar uma intervenção real na saúde dos brasileiros é o dinheiro que pagará mais essa não solução do problema, que está fadada a ser paliativa e um tanto eleitoreira. A luta que não é só dos médicos, nem só dos profissionais de saúde, mas de todos nós, estudantes e trabalhadores do Brasil, deve ser por medidas que vão à raiz do problema.

Entendemos a revalidação dos diplomas como um passo importante na definição de padrões de qualidade para a saúde. No entanto, por mais qualificado que seja o médico que atuará no interior, e por mais altos que sejam os padrões de saúde preconizados, só teremos saúde, no sentido pleno da palavra, quando tivermos infraestrutura de transportes, saneamento básico, educação de qualidade, direitos trabalhistas, e enfim prevenção e estrutura de atendimento em saúde (em específico) no interior do Brasil. A luta por isso tudo, com certeza, causa mais impactos positivos na saúde que a luta apenas pela revalidação de diplomas. É bem mais efetiva, também, que a mera soma de mais 6 mil médicos ao montante de quase 400 mil que já dispomos nacionalmente.

Por isso tudo é que nós, estudantes de medicina da UFPR, nos posicionamos a favor da mobilização promovida pelos acadêmicos e médicos de todo o país, em conjunto com as diversas entidades médicas. Desde que, no entanto, esta luta seja por melhores condições de atendimento a saúde, uma vez que entendemos que ela está na gênese do problema. Incluímos o REVALIDA em nossas mobilizações, mas algo deve estar claro: não podemos nos restringir a ele!

Diretório Acadêmico Nilo Cairo - Universidade Federal do Paraná - 23/05/2013


 


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