01 de agosto de 2013
FALA, LEITOR
O dr. Timotio Dorn, médico residente do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, foi o primeiro a autorizar a publicação de sua carta, contestando a abertura da coluna de quarta-feira. Está abaixo, como contribuição ao debate:
"Diante da sua reportagem da manhã de hoje no jornal Zero Hora, gostaria de fazer algumas considerações. Talvez devido ao fato de sua área de atuação jornalística focar na economia, a sra não está a par das reais reivindicações da classe médica. Da forma como foi exposto na reportagem, da a entender que os médicos estão parados pelo simples fato de não concordarem com a contratação de médicos para interior e periferias das grandes cidades, ao pagamento de 10 mil reais mensais.
As autoridades políticas vêm negligenciando a saúde pública há décadas. Diante de pesquisa recente do DATAFOLHA em que 78% dos brasileiros consideraram a saúde pública como ao maior flagelo do governo PT, e após as manifestações públicas tomarem as ruas, o governo viu-se na obrigação de dar uma resposta a sua inatividade de 10 anos. Lançou então o programa “MAIS MÉDICOS”, responsabilizando os médicos e pautando na falta deles o sucateamento do SUS.
1- O programa oferece uma proposta de trabalho por um período de três anos, sem nenhuma garantia trabalhista. Sem férias, sem 13º, em caso de desistência devera devolver o valor recebido por um período de até 06 meses, entre outras arbitrariedades que ferem a CLT. E o mais importante, nenhuma garantia de estrutura mínima ao trabalho digno. Funciona da seguinte forma: prefeituras lançam editais com salários medíocres para profissionais com 10 anos de formação,( vide links abixo), os médicos não se inscrevem, a população clama por atendimento, e as autoridades gritam na mídia que faltam médicos, e os gestores nunca são responsabilizados.
2- O Brasil está entre os países com o maior número de escolas médicas do mundo, quase todas elas sucateadas. Como num passe de mágica o governo tem a brilhante idéia de prolongar o curso de medicina em 02 anos de dedicação exclusiva e com interiorização desses graduandos. Se faltam professores para o curso regular, imagina para manter mais 2 anos os 17 mil formandos anuais em medicina no país? Os cursos de medicina passaram por uma recente e trabalhosa reformulação em sua estrutura, para que os 02 últimos sejam dedicados exclusivamente á pratica supervisionada no SUS, e assim esta sendo feito. De forma autoritária, sem abranger na discussão autoridades do setor, com o CFM, as escolas médicas, o programa foi lançado. Diante disto, o ministro Padilha afirma que está aberto á discussões, é mentira deslavada que fere a racionalidade de qualquer cidadão.
3- Evidente que atrair médicos a regiões longínquas ou nas violentas periferias nas condições atuais é tarefa difícil. Mas o CFM há mais de 10 anos trabalha na proposta de um plano de carreira para o SUS, em que o médico tenha a garantia de levar sua família a locais distantes, na certeza de não depender das eleições municipais para se manter empregado, com perspectivas de progressão e de migrar para centros com melhor estrutura social conforme evoluir na carreira. E diferentemente do que a sra informou, os recursos estão disponíveis sim. Padilha deixou de investir cerca de 17 BILHÕES que estavam disponíveis ao seu ministério entre 2011 e 2012. E obviamente um país que o governo contribui somente com 44% dos gastos em saúde da sua população, e que investe somente 4,4% do PIB frente aos 10% desejados, mostra uma clara incompetência administrativa e má vontade política.
4- O povo merece respeito acima de tudo. Propor trazer médicos formados em Cuba, Bolívia, Argentina, (os europeus não passaram de 2 centenas, pois não se submetem a condições indignas de trabalho) sem o REVALIDA é um afronte aos usuários do SUS. Todos sabem que a qualidade de ensino das escolas latinoamericanas é péssima, e se torna fundamental que esses “médicos” passem por um processo sério de revalidação, a fim de evitar que a assistência seja prestada por profissionais desqualificados, pondo em risco a saúde da população e onerando o sistema com exames e terapêuticas desnecessárias ou inefetivas.
Realmente a greve é uma forma discutível de reivindicação para a classe médica. Mas estamos acuados. O governo nos culpa por sua incapacidade administrativa e toma decisões arbitrárias, a mídia prefere a audiência da visita do papa ou a copa do mundo do que investigar a fundo as mazelas da saúde brasileira, enfim, a população precisa tomar ciência do que está acontecendo.
A paralisação procurou ao máximo evitar que a população seja prejudicada. Esclarecendo que as consultas destas datas foram reagendadas para a quinzena próxima, cirurgias foram remarcadas para a maior proximidade possível.
O Brasil precisa de políticas sérias de saúde, o povo não pode mais ser iludido por medidas eleitoreiras temporárias. A saúde precisa de investimentos (a sra lembra do último hospital ou ambulatório SUS inaugurado na grande Porto alegre?), evidentemente que com a mesma estrutura há mais de 30 anos uma consulta com especialidade pode demorar mais de 2 anos.
Essa luta é de todos!!
Timotio Dorn, medico residente do serviço de dermatologia do Hospital de Clinicas de Porto Alegre"