20/04/2006
Certa vez, lá pelos idos de 1989,e em meio a um movimento reivindicatório da categoria médica bahiana, o governador do Estado teria afirmado à imprensa local, com certa dose de ironia e desprezo “Para mim, médico é como sal; branco, barato e encontro em todo o lugar”.
Da mesma forma, na década de 60, quando os médicos resistiam a trabalhar por preço vil um ministro de Estado teria dito “Providenciaremos a formação rápida e efetiva de tantos deles que, logo, todos virão de joelhos procurar trabalho a qualquer preço”.
Parece que caminhamos nessa direção. O Brasil acaba de alcançar um número recorde de escolas médicas. Com 168 cursos de medicina ultrapassou a China e os EE.UU. e hoje ocupa o segundo lugar no ranking mundial em escolas médicas, perdendo apenas para a Índia que está 202 escolas. Só neste início de século foram criados 67 novos cursos de medicina, uma média de nove por ano, elevando o número de vagas nos vestibulares para 16.830. Até 2010, essas escolas estarão entregando a sociedade cerca de 60 mil novos médicos.
As causas dessa avalanche estão na LDB, de 20.12.96 e no Decreto n.2.306 de 19.08.97 que proporcionaram condições extremamente liberais para que Estados e Municípios pudessem decidir livremente sobre a criação de escolas de medicina e outras na área da saúde. A competência da União fixada no art. 10, inciso IX da LDB foi limitada exclusivamente ao sistema federal de ensino superior.
Ainda mais, uma mudança sutil feita pelo Decreto n. 1.302 de 8 de novembro de 1994, no apagar das luzes do governo Itamar Franco, tirou do Conselho Nacional de Saúde a prerrogativa de julgar a necessidade social dos cursos da área de saúde e, emitir parecer específico vetando ou não novas escolas de medicina. Hoje, o ministro da Educação tem praticamente o poder total e, independente de qualquer posição que o CNS venha tomar, poderá aprova-lo em caráter irrevogável e definitivo.
Alem disso, um levantamento estatístico demonstrou que a maioria dos cursos recém criados o foi por decisão interna dos Conselhos das Universidades particulares. Dos 168 cursos de medicina, 99 são do setor privado (58,93%). Isto prova que o poder político e econômico fala mais alto que a necessidade social desses cursos.
Nosso entendimento leva a dizer que o Brasil não necessita de mais escolas médicas e sim de melhores escolas; não precisa de mais médicos e sim de médicos bem preparados e qualificados.
O que não se pode permitir é que esses interesses políticos ou econômicos transformem os que integram uma profissão tão digna quanto sublime, em mercadoria ou máquinas... muito menos sal.
ANTONIO CELSO NUNES NASSIF, é médico, professor adjunto e Livre Docente da UFPR. Foi presidente da Associação Médica Brasileira