Escolas Médicas do Brasil

Avaliando a Saúde no Brasil

 10/02/2006


AVALIANDO A SAÚDE NO BRASIL


“As pessoas pensam que fizeram muito por não terem matado alguém, mas em verdade, nenhum homem pode morrer em paz, se não fez todo o necessário para que os outros não morram.”

(Albert Camus)


Nunca se falou e escreveu tanto sobre o setor saúde em nosso país, como agora. É que a gravidade e complexidade dos problemas não permitem mais protelações nem atitudes intempestivas ou demagógicas. A falência dos serviços públicos de saúde é um fato quase consumado, e nós assistimos a tudo passivamente, sem nada fazer. Precisamos participar e ajudar de alguma forma a encontrar uma solução que reconheça o direito de todos à cidadania.

A qualidade mínima necessária no atendimento à população mais carente deve ser resgatada. Afinal, são 100 milhões de brasileiros que dependem exclusivamente dos serviços públicos de saúde. Números recentes do IBGE dão conta da existência de 53 milhões de brasileiros na linha da pobreza espalhados pelo país, enquanto que, 21 milhões sobrevivem em miséria absoluta, abandonados à própria sorte. Eles não podem pagar com suas vidas só porque vivem num país onde a saúde ainda não é prioridade de governo.

É preciso sair desse caos sem precedentes, sem perspectivas, sem luz no fim do túnel. Já estamos diante de uma realidade trágica e desumana: quem tem dinheiro consegue atendimento médico-hospitalar e se trata; quem não tem, não consegue e pode morrer por causa disso.

Os serviços de saúde da rede pública e privada vivem hoje o espectro da falta de recursos, desmotivação dos prestadores e descrédito geral da população. Atendimento precário, qualidade comprometida, pacientes circulando de posto e posto, de hospital em hospital em busca daquilo que lhes é devido constitucionalmente.

As endemias que ressurgem, ameaçam a segurança de muitos milhares de brasileiros, desabando sobre suas cabeças como se não existissem órgãos públicos encarregados de protegê-los. É a tuberculose, a malária, a hanseníase, a dengue, a febre amarela que já pareciam erradicadas ou no mínimo controladas, dentro das estatísticas epidemiológicas.

As atividades sociais, em especial a saúde foram, durante anos, relegadas a um segundo plano de prioridades. Os recursos a elas destinados sempre foram escassos. Ao contrário, em outros países, os investimentos em saúde e pesquisa avançada se constituíram prioridades nacionais permanentes.

Do mesmo modo, o estímulo para a doação e adoção, tão comum no chamado primeiro mundo não foi sequer testado em nosso país. Um exemplo interessante que se repete em várias cidades brasileiras: no caminho para o aeroporto de Congonhas observa-se em determinado trecho, uma área ajardinada e placa informativa “Este local é mantido pela Varig”. Um visual interessante e bonito. Imaginemos então, poder encontrar num hospital público ou universitário também uma outra placa, agora dizendo “Este Centro de Queimados foi adotado e é mantido pela Petrobrás”; “O berçário deste hospital é mantido pela Nestlé”. Se alguns destinam verbas para “terra e flores” porque outros não fazerem o mesmo com “pessoas e doentes necessitados?”.

Há anos vimos propondo algo que pode ser o início de uma grande caminhada: estender os benefícios e incentivos fiscais da lei Rouanet, que hoje atende a área da Cultura, exclusivamente para os setores da saúde pública, federal, estadual e municipal. Com toda a certeza, iremos assistir uma mudança substancial na mentalidade e atitude de muitas empresas e pessoas que queiram ajudar e representará um estímulo a cultura da doação em nosso país. O Children’s Hospital Boston, um dos mais conceituados nos EUA, é praticamente mantido por doações das empresas e da população.

O ex-presidente Kennedy definiu bem estas questões quando disse: “A saúde de um povo é uma das chaves para seu futuro, para sua vitalidade econômica, para a moral e eficiência dos cidadãos no sentido de alcançar suas próprias metas e mostrar aos outros uma sociedade livre” e arrematou afirmando “Saúde é problema de uma nação”.

Uma decisão política firme e corajosa precisa ser tomada pelas autoridades constituídas, e porque não, como um compromisso assumido, pelos atuais candidatos a Presidência da República. Da mesma forma, todos os demais devem oferecer parcela de contribuição crítica e responsável. Parece-nos muito claro que o poder público sozinho não conseguirá tirar o Brasil dessa crise social, financeira, ética e até moral.

As políticas de saúde até agora definidas e executadas serviram apenas para agravar a crise no setor. Nunca houve tanto descrédito dos serviços públicos de saúde como nos dias atuais; o sucateamento físico e funcional dos serviços da rede pública é uma triste realidade.

O SUDS foi um fracasso total, com desperdício de bilhões de cruzeiros da época. Sua implantação foi intempestiva, atabalhoada e desorganizada.

A atual Constituição Federal definiu um novo sistema de saúde - o SUS, sancionado dia 20 de setembro de 1990 pelo então presidente Collor. Foi o terceiro em menos de cinco anos. Esperava-se que dos erros do passado se acertasse no presente. Parece que não, porque, ficar doente hoje no Brasil é humilhante, principalmente se o paciente depender do atendimento médico-hospitalar da rede pública.

É necessário reverter esse caos para que a população brasileira volte a acreditar nos serviços de saúde oferecidos pelo poder público. Da mesma forma, é importante que os profissionais a eles vinculados resgatem, também, o respeito e confiança dos usuários do sistema. A busca da eficiência e qualidade desses serviços deve ser meta prioritária, e assim transferidas, na sua inteireza, nos postos de saúde e hospitais públicos.

Antigamente, os serviços públicos de saúde oferecidos à população, eram considerados por todos como de primeira categoria. Os médicos e demais profissionais da área sentiam-se estimulados porque as condições de trabalho eram boas e a remuneração justa e condigna. O resultado era expresso na qualidade, atenção e resolutividade.

Hoje, a insatisfação é geral. Os baixos salários, a falta de conservação dos hospitais e a conseqüente perda das condições ideais para o trabalho resultam negativamente.

Entendemos que o governo deve dirigir prioritariamente suas atenções e recursos aos seus próprios hospitais, postos de saúde, ambulatórios e prontos-socorros já existentes. Recuperá-los fisicamente, recompô-los com instrumental e aparelhagens modernas, dar condições ideais de trabalho e salário justo aos profissionais de saúde, significará um salto histórico na solução dos problemas atuais e o resgate da dignidade dos serviços públicos em nosso país. De nada valerá investir maciçamente, pelo menos no momento, em novos projetos ou empreendimentos, tendo a atual rede pública sucatada, desacreditada, quase que destruída.

Tancredo Neves dizia: “A miséria e a injustiça são os grandes aliados da morte, e não adianta distribuir pastilhas a quem tem fome, nem pregar preceitos de higiene a quem está mergulhado nas trevas da ignorância”.

O país carece de uma política de saúde pública real e verdadeira, “vacinada” contra as ingerências político-partidárias, “alimentada” com recursos suficientes e, principalmente com criatividade. Em sendo eficiente e democrática permitirá, ao mesmo tempo, qualidade e justiça social.

Precisamos nos conscientizar que debaixo de uma casa sem teto ou de um viaduto, dentro de roupas sujas, rasgadas, maltrapilhas, está um ser humano que não tem culpa de ser pobre ou miserável.

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Dr. Antonio Celso Nunes Nassif. Médico e Professor da Universidade Federal do Paraná. Foi presidente da Associação Médica Brasileira.


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