Escolas Médicas do Brasil

Médicos de segunda linha

 20/02/2007

Déborah Pimentel - Médica e Psicanalista
Médicos de segunda linha
29-01-2007 10:20

 

Uma das grandes dificuldades deste país em termos de saúde, diz respeito à precária formação médica. Temos na atualidade, médicos de primeira e segunda categoria, considerando o fato de terem tido a chance de freqüentar a residência médica ou não.

Um jovem quando se gradua em Medicina é obrigado a enfrentar uma seleção cruel, pior do que o vestibular, com concorrência que às vezes é de quase 200 candidatos para uma vaga na Residência Médica. A verdade é que esta concorrência que deixa 40% dos graduandos de fora das Residências se dá por incompetência das nossas políticas públicas que ignoram a realidade. São jovens muito estudiosos, aliás, são estudiosos acima da média, desde a adolescência quando decidiram entrar no vestibular mais concorrido que é justo o de Medicina, mas não são contemplados com a Residência Médica, não por incapacidade, mas por falta de vagas, porque o governo e os órgãos que regulamentam a educação não se comprometem com a formação total dos seus médicos, marginalizando quase a metade deles. Isso, senhores! No nosso Brasil varonil, só há vagas para 60% dos formandos, os outros, excluídos, são obrigados a enfrentar o mercado de trabalho ainda totalmente despreparados, pois a graduação médica ela é absolutamente insuficiente em termos de ensino médico e oportunidade de prática, para efetivamente dar condições a estes profissionais, para o exercício da clínica.

Não temos porque ignorar que este despreparo promove riscos à saúde da população que já é carente o suficiente, e cheia de mazelas impostas pelo social. Outra conseqüência é o freqüente número de denúncias contra médicos por imperícia, imprudência ou negligência, que se assomam no Ministério Público, Procon e nos Conselhos Regionais de Medicina.

Sabe-se também que no Brasil temos 157 faculdades de Medicina, entre públicas e privadas e 1/3 delas tem conceito entre ruim e péssimo. O lamentável é o crescente número de novas faculdades solicitando autorização do Ministério da Educação e Conselho Nacional de Educação que já estão analisando a abertura de mais 61 faculdades de Medicina no país elevando para 218 o número de cursos  nos próximos cinco anos e jogando 20 mil novos e despreparados médicos no mercado de trabalho por ano.

Estes jovens médicos, de segunda linha, que não tiveram a chance de fazer Residência, em geral vão atender o PSF que é carente de mão de obra e também não estão preparados para tal função, pois o ensino, ainda na graduação, já traz uma tendência a levar o aluno para as especializações. São médicos, portanto, sem uma orientação maior para a Medicina de Família, e por falta de oportunidades acabam abraçando o PSF como a única chance de entrar no mercado de trabalho e garantem também, por inexperiência, as frustrações profissionais oferecendo um serviço de baixa qualidade e passível de erros com muita freqüência. Perde a população, perde o médico.

Se existem mais escolas privadas do que públicas é porque efetivamente as nossas políticas públicas, inclusive de educação, estão falhando e não atendem as expectativas e demandas de uma população. É bastante salutar que a iniciativa privada preencha estes espaços, respeitando as demandas da comunidade e não simplesmente vendendo ilusões aos jovens em um mercado saturado. O que está em jogo nesta minha análise, não é limitar a abertura de novas escolas, mas, melhor capacitar quem começou a formação médica e não a concluiu de forma eficaz por limitação de vagas para Residência Médica.

É hora de se tomar medidas imediatas para qualificarmos uma mão de obra tão importante e estimular e facilitar o credenciamento de serviços médicos que queiram oferecer Residência Médica, desde que atendam as exigências para tal credenciamento que é regulamentada pelos órgãos competentes.

Uma outra medida bastante eficaz seria estabelecer uma vinculação das Residências com as Escolas de Medicina. Cada Escola ofereceria número de vagas correspondente a 100% dos seus graduandos. Assim, a Residência Médica em clínica geral (médico generalista), o R1, seria obrigatório para todas as escolas. Caso o jovem desejasse prosseguir com sua Residência, aí sim ele teria a chance de escolher a especialidade que desejasse e se transformaria em R2 de acordo com suas tendências, vocações, escolhas, mercado de trabalho e ofertas de Residências em especialidades espalhados pelo país.

Se este vínculo pudesse ser estabelecido as Escolas de Medicina finalmente poderiam ter a chance de cumprir o seu papel de forma eficaz e completa não deixando a sua proposta de ensino e formação à deriva e os jovens médicos seriam prestigiados com uma formação digna da responsabilidade que tem. Seria uma condição em que todos sairiam vitoriosos, pois ao tempo em que melhoraria a auto-estima dos médicos que deixariam de se sentir marginalizados e despreparados por inércia e incompetência das políticas públicas de saúde e educação, a população teria médicos mais preparados e com menos possibilidades de erros e, por conseguinte, de denúncias. O PSF passaria a receber médicos generalistas preparados por uma Residência Médica e acabaríamos com esta dicotomia: médicos de primeira e segunda linha.

 

 


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