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CPMF só para o SUS

 10/06/2007

----- Original Message -----
Sent: Tuesday, May 08, 2007 2:39 PM
Subject: CPMF só para o SUS


CPMF só para o SUS


Dioclécio Campos Júnior
Médico, professor titular da UnB e presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria dicampos@terra.com.br

Há 10 anos a falseta se repete. Prorroga-se ou não a CPMF, o famoso imposto do cheque. Encena-se, contracena-se, faz-se a conta, renova-se o faz-de-conta, e o imposto disfarçado continua. Sem perder o caráter provisório com o qual foi criado. Por isso, de tanto vê-lo prorrogado, a sociedade já o considera permanente. Sabe que não tem volta. Conhece a sanha arrecadatória de todos os governos. Não tem força para inibi-la. Percebe, cada vez mais claramente, que a democracia é apenas política. Não é econômica. A economia segue ditatorial, intocável. Ignora as aspirações populares. É domínio exclusivo da elite, que reserva somente migalhas assistencialistas para a numerosa plebe.

A Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira é cria bem-intencionada do dr. Adib Jatene, quando de sua passagem pelo Ministério da Saúde. Foi aprovada em 1996 graças ao prestígio dessa figura exponencial da medicina brasileira. O empenho pessoal do ilustre médico junto aos parlamentares venceu resistências e convenceu excelências. O argumento era irrecusável. O recurso gerado teria destinação única, o Sistema Único de Saúde, tão rico em princípios e tão pobre em finanças, tão verdadeiro nos objetivos e tão frágil em incentivos. A deprimente realidade orçamentária do SUS amparou a insistente reivindicação do dr. Jatene.

Era difícil opor-se a proposta de tamanho alcance social. A rede pública de saúde andava mal. Hospitais em decadência. Profissionais desmotivados, mal pagos. Pacientes a morrer nas filas de prontos-socorros. Falta de medicamentos essenciais. Centros de saúde em situação de penúria. Cólera solta na sujeira das águas. Dengue voando nas asas do Aedes, sem risco de apagão aéreo. O apelo do ministro calou fundo. A CPMF foi aprovada para revolucionar o SUS, fornecer-lhe os meios de financiamento à altura da grandiosidade dos propósitos, único caminho para pôr fim à pobreza sanitária do país.

A sociedade aceitou o novo imposto, embora desconfiada. Não se esquecera ainda dos empréstimos compulsórios nunca devolvidos aos contribuintes. Confiou na obstinação do dr. Jatene. Sonhou com um SUS de verdade, ambicionou a saúde para todos, qualificada, acessível, igualitária, plena. Imaginou a população saudável, assistida pelos avanços que a ciência não cessa de conquistar. Não teve tempo, porém, de ver convertida em realidade a fantasia em que se deixara embalar. Não concluiu o auto-engano que construía. O ministro caiu, a CPMF ficou. Provisoriamente, mas, ao que parece, para sempre. Não mais para a saúde, cuja prioridade recolheu-se ao discurso, longe da prática, de onde nunca saiu.

O retrato sanitário da era Jatene amarelou com o tempo, mas se manteve irretocável no todo. O SUS não realizou sonhos, vive pesadelos. Segue flutuando na mesma incerteza, desacreditado pela incapacidade de compatibilizar o ideário avançado com as práticas cuja eqüidade tem sido, no mínimo, discutível. Patina no terreno movediço das estratégias de assistência à saúde, cuja maquiagem humanizada esconde a aceitação passiva de políticas perversas de simplificação de cuidados para reduzir custos. A rede de serviços públicos de saúde nada mudou. Parou no tempo. Perdeu-se no espaço. Os hospitais universitários são falimentares, carentes de investimentos, insustentáveis. A nobre missão que lhes cabe, a de centros formadores de recursos humanos diferenciados para transformar a realidade sanitária, banaliza-se sob o enganoso pretexto de integrá-los à rede hospitalar pública, com a qual sempre estiveram — de fato — integrados em gênero, número e grau.

Enquanto o SUS perde energia, a CPMF engorda os cofres públicos. Comprova a eficácia de um modelo de arrecadação que o Congresso Nacional e a sociedade civil só concordaram em adotar porque seria a fonte segura de receita para a saúde pública brasileira. Uma finalidade social jamais cumprida. O recurso é desviado, desde 1997, sem maiores explicações. Não promoveu nem sustentou o SUS. Desrespeitou-se a vontade do povo e a decisão de seus representantes. Impediu-se o desenvolvimento do Sistema Único de Saúde com a velocidade que a solução das desigualdades sociais requer. Direitos foram cerceados, injustiças cometidas. O cidadão enganado é quem paga o pecado.

Discute-se novamente a prorrogação da CPMF. A economia excita-se. Outra falseta se prepara. A sociedade civil deveria ser consultada. A contribuição só merece ser mantida se destinada à finalidade única para a qual foi criada. Ou financia o SUS, ou se rejeita sua prorrogação.


 

 



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