28/05/2007
Para quem tiver tempo para ler: a que ponto crítico chegou a situação do seguro para médicos nos USA. O médico não atenderá você agora Por Daniel Eisenberg e Maggie Sieger O doutor Alexander Sosenko tem orgulho de sua perícia, mas atualmente ela não parece ser o que ele necessita para dar continuidade à prática da medicina. Especialista em pulmão há 19 anos, ele sabe praticamente tudo o que há para saber sobre pulmões e é apreciado pelos pacientes por sua maneira direta e atenciosa. Mas ele mesmo confessa que não é muito bom na prática de lobby. E, infelizmente, está é a forma como Sosenko, 49, tem gasto grande parte do seu tempo -circulando petições no hospital local, implorando ajuda aos políticos. Ele já passou noites sem dormir preocupado com a possibilidade de tirar sua mulher e três filhos da casa deles em Joliet, Illinois, ou de abandonar a profissão que ama -tudo porque não consegue encontrar um seguro contra erro médico com o qual possa arcar. Há poucos meses, Sosenko e cinco outros médicos da clínica que fundaram, a Midwest Pulmonary Consultants, souberam que sua seguradora contra erros médicos, a American Physicians Capital, não renovaria a apólice deles quando esta expirasse, no fim de março. Eles não ficaram exatamente chocados. Ao longo dos últimos dois anos, as seguradoras de médicos em Illinois, preocupadas com o aumento das indenizações por erros médicos concedidas pelos júris do Estado, diminuíram de mais de duas dúzias para seis. Mas, então, a questão se tornou pessoal. Sosenko e seus sócios descobriram que sua seguradora não estava deixando totalmente o Estado de Illinois, mas apenas limitando sua exposição. Apesar de Sosenko e seus colegas nunca terem perdido ou feito acordo em um processo sequer ao longo dos anos -um histórico impressionante nesta época de tantos litígios- eles foram citados em dois casos que estão tramitado desde o fim dos anos 90. Sosenko e seus colegas negaram todas as alegações e se recusaram a fazer um acordo. Quando os médicos começaram a procurar por uma seguradora para substituir a APC, nenhuma das principais seguradoras contra erros médicos ofereceu cobertura. Uma seguradora menor ofereceu um pacote por quase US$ 100 mil por médico (em comparação com cerca de US$ 14 mil há apenas dois anos), mais US$ 500 mil por ano para cobertura de qualquer processo que possa derivar de atendimento prestado antes da nova apólice entrar em vigor. Os médicos não podiam arcar com isso. Assim, após um deles ter deixado a clínica para tentar trabalhar sozinho, os demais pediram ajuda ao senador do seu Estado, que persuadiu a seguradora original deles a prorrogar a apólice -que expirou no fim da semana passada. E agora? Será que eles mudarão de área? Será que mudarão de endereço para um Estado menos litigioso? E quanto aos seus 6.000 pacientes, que terão que dirigir uma hora até o especialista em pulmão mais próximo, em Chicago? "Nós, médicos, podemos nos mudar", disse Sosenko, reclinado na cadeira de seu consultório. "Mas nossos pacientes não". Como os pacientes de Sosenko, milhões por todos os Estados Unidos poderão aparecer para uma consulta em breve e descobrir que seus médicos não estão mais atendendo -definitivamente. Milhares já perderam seus médicos para uma crise de erros médicos que, apesar de concentrada por ora a certos Estados e especialidades, está se espalhando. Os médicos estão recebendo apólices de seguro contra erros médicos que dobraram em relação há dois anos, forçando muitos deles a mudarem de Estados com seguros muito altos -como Flórida, Nevada e Pensilvânia- para locais com valores mais aceitáveis, como Califórnia e Indiana. A crise está levando alguns médicos e estudantes de medicina a trocarem especialidades imãs de processos como obstetrícia, neurologia e pulmonologia para outras "mais seguras", como dermatologia e oftalmologia, ou a se recusarem a realizar procedimentos de alto risco como partos e operações na coluna. Apesar de não haver evidência de redução no número total de médicos nos Estados Unidos, alguns médicos veteranos de Estados onde as indenizações por erro médico foram às alturas estão abandonando a medicina. Mesmo em Estados onde o seguro contra erros médicos permanece relativamente pagável, os médicos estão cada vez mais exercitando uma "medicina defensiva", tentando evitar possíveis processos ao pedir exames desnecessários e consequentemente elevando os custos do atendimento de saúde. Em uma área de 15.500 quilômetros quadrados do Arizona, os caros seguros contra erros médicos levaram seus obstetras a deixarem de realizar partos. Muitas mulheres agora precisam dirigir uma hora ou mais até chegar a um hospital com sala de parto, forçando muitas, como Melinda Sallard, 22, dar à luz no carro a caminho do hospital. Idosos em partes da Pensilvânia viajam uma hora ou duas para serem atendidos por um neurocirurgião, e um cirurgião ortopédico da Filadélfia visita uma vez por semana seus pacientes no Meio-Oeste, onde o custo do seguro contra erros médicos é mais baixo. Os prontos-socorros de Orlando, na Flórida, e Belleville, no Missouri, informam que a alta dos preços nos seguros está dificultando a contratação de especialistas em traumas, necessários para o atendimento às vítimas de acidentes de carros. Em protesto, os médicos dos Estados de Nova Jersey e Washington estão indo às ruas e praticando operações tartaruga e greves. Cerca de 100 médicos de Jacksonville, Flórida, e arredores deixaram de realizar cirurgias facultativas, obrigando o condado a ativar um sistema de resposta de emergência que tipicamente é ativado em casos de desastres naturais, como furacões. O sistema está claramente quebrado e não há um conserto rápido à vista. Para médicos como Sosenko, os principais problemas são processos frívolos e indenizações multimilionárias concedidas devido a resultados trágicos, mas às vezes inevitáveis. (Uma faixa em um protesto dizia "Doente? Procure um advogado".) A sala de espera da clínica de Sosenko atualmente parece quase um quartel-general de campanha. Faixas declarando "Nós estamos em crise!" estão penduradas ao lado de listas de nomes de políticos e números de telefone. Os pacientes de Sosenko têm assinado petições pedindo que os políticos tornem prioritária uma reforma do erro médico. É fácil ver a razão de quererem ajudar. Sosenko é nascido e um filho favorito de Joliet, uma cidade de classe média a cerca de 72 quilômetros a sudoeste de Chicago. Filho de imigrantes ucranianos que fugiram de um campo de deslocados de guerra na Alemanha após a Segunda Guerra Mundial, Sosenko cresceu em Joliet assistindo seu pai, Roman, atuar na cidade como médico de família. Ele quis fazer o mesmo por seus amigos e vizinhos, tratando pessoas que sofriam de doenças como asma, bronquite, enfisema e câncer de pulmão. Ao longo dos anos, Sosenko e seus colegas da clínica conquistaram a reputação de não apenas capazes, mas também de incomumente atenciosos. Telefonemas são prontamente retornados, dia ou noite, e os médicos fazem visitas em casa quando necessário. "É um alívio apenas saber que ele está aqui", disse Pat Falkenberg, uma paciente de 48 anos, que está lutando contra uma fibrose pulmonar e aguardando pior um transplante de pulmão. Durante uma estadia no hospital, disse Falkenberg, Sosenko fez tantas visitas ao quarto dela que ela disse ter se perguntado se ele em algum momento ia para casa. Um gênio da matemática com memória fotográfica, Sosenko é lendário na clínica por lembrar de praticamente todos os vários milhares de pacientes que já atendeu -e detalhes de seus quadros- mesmo com intervalos de até 15 anos entre as visitas. Ele coordena pessoalmente o atendimento à maioria de seus pacientes, telefonando para outros especialistas para exames e consultas. "Algum chiado? Está ofegante?" Sosenko pergunta para Richard Escherick, 61, durante uma consulta na clínica. Em seu estilo direto, mas amistoso, Sosenko interroga o homem sobre sua tosse noturna. "É assim?" ele pergunta, fazendo um som de tosse curta e repetida. "Ou é assim?" - com um tosse mais forte. Sentando em um banco redondo, com as pernas cruzadas, e olhando por cima de seus óculos redondos de leitura, Sosenko dedica aos seus pacientes quanto tempo for necessário para que façam perguntas e manifestem suas preocupações. Atualmente, as preocupações deles vão além da medicação que tomam. Quando Sosenko diz para Richard Tea, 73, que deseja vê-lo novamente em três meses, a mulher de Tea, Mary Ellen, pergunta nervosamente: "Mas você vai estar aqui daqui três meses?" A petição de Sosenko gerou mais de mil cartas para a delegação de Illinois no Congresso e para os deputados estaduais em Springfield. Ela recebeu a atenção do senador Larry Walsh, um democrata de Joliet. Preocupado com a disponibilidade de atendimento médico em sua cidade-natal, Walsh persuadiu a seguradora original da clínica de Sosenko a lhe dar uma prorrogação de dois meses -apesar de cara, custando cerca de US$ 35 mil. Walsh tem motivo para se preocupar. A clínica de Sosenko não é a única em Joliet que está perigosamente perto de fechar. O último neurocirurgião remanescente na região, após tomar conhecimento de que teria que pagar US$ 468 mil por um ano de seguro (o valor anterior era de US$ 180 mil), está considerando mudar para Dakota do Sul ou abandonar a prática. E um grupo local de 16 cardiologistas -assim como 60 médicos em geral- poderão perder seu seguro no final deste mês. Logo após conseguir a prorrogação de dois meses para o seguro da clínica, Sosenko achou que tinha encontrado uma solução mais permanente, cortesia do Provena Saint Joseph Hospital local. Os cirurgiões gostam de ter um especialista em pulmão de prontidão quando realizam procedimentos complicados como uma cirurgia de coração aberto. Assim, o hospital ofereceu contratar Sosenko e seus colegas como médicos do hospital e colocá-los sob cobertura de seu seguro. Mas a seguradora do hospital disse que não daria cobertura aos médicos caso continuassem atendendo pacientes fora do hospital, mesmo em meio período. "Talvez tenha sido tolice aceitar a prorrogação de dois meses", disse o doutor Gregg Cohan, 41, um dos sócios de Sosenko. "Talvez tenha sido apenas um prolongamento da morte". As seguradoras culpam os prêmios elevados e os cancelamentos de apólices ao que descrevem como um aumento de processos e indenizações no valor de mais de US$ 1 milhão. A solução delas (apoiada por muitos médicos, inclusive Sosenko): tetos de US$ 250 mil para indenizações concedidas por dor e sofrimento. O presidente George W. Bush e outros republicanos, cujas campanhas são apoiadas por médicos e seguradoras, endossam tal legislação, e a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei nesse sentido. Mas os advogados dos querelantes, que contribuem pesadamente nas campanhas dos democratas, estão fazendo lobby junto a seus amigos no Senado, e uma reforma nacional poderá não se materializar. Os Estados poderiam intervir. Sosenko adoraria ver os políticos de Illinois virem em seu resgate -e no mínimo exigir uma comissão de especialistas médicos qualificados, em vez de um mercenário, para endossar um processo antes que ele possa prosseguir. Mas ele não tem muita esperança. Por duas vezes nas últimas duas décadas, o legislativo estadual aprovou tetos para indenizações apenas para vê-las serem consideradas inconstitucionais pela Suprema Corte estadual. (As cortes de outros Estados, incluindo a Califórnia, apoiaram tetos semelhantes.) Muitos políticos estaduais estão mais do que felizes em empurrar a questão espinhosa para o Congresso. O senador Walsh disse que alguns dos seus colegas acreditam que a crise eventualmente "se resolverá sozinha". Sosenko diz com desgosto: "Falar com políticos é igual a bater sua cabeça contra uma parede". Mas o sistema legal não é o único culpado pela confusão do erro médico. Os críticos dizem que os prêmios mais elevados não são culpa tanto dos processos, mas de seguradoras tentando compensar suas perdas com prêmios de valor mais baixo e maus resultados de investimentos. Um estudo independente feito pela Weiss Ratings, que será divulgado nesta semana, mostra que os Estados com tetos para as indenizações em casos de erros médicos não apresentaram muita redução no preço dos seguros, mas viram as seguradoras garantirem seus lucros. A fúria de Sosenko com as seguradoras o levou a se juntar a várias centenas de outros médicos de Illinois em uma manifestação na capital do Estado, ocorrida no início deste ano, pedindo para que os legisladores congelassem o valor dos seguros contra erros médicos por seis meses e investigassem as práticas de preços do setor. "Essas empresas praticamente têm total liberdade para fazerem o que querem", disse ele. Mas os próprios médicos merecem pelo menos parte da culpa. "Os médicos", disse John Walsh, 46, um dos sócios de Sosenko, "não venderam a si mesmos como um grupo que pratica um autopoliciamento". A grande maioria dos médicos escrupulosos foi forçada a subsidiar os custos mais elevados de seguro de uns poucos incompetentes. Considere isso: entre setembro de 1990 e março de 2003, apenas 5% dos médicos que fizeram pagamentos por erro médico foram responsáveis por um terço de todo o dinheiro pago, segundo o Banco Nacional de Dados do Profissional do governo federal. O curso intensivo de Sosenko em direito e política está tendo um custo emocional muito alto sobre ele e sua família. Um ávido praticante de windsurfe e fã de ficção científica, cujos livros favoritos são "O Hobbit" e "O Senhor dos Anéis", Sosenko não tem tido descanso nos últimos meses. Ele dificilmente tem tempo ou energia para jogar videogame com seu filho Nick, 10. Pela primeira vez na memória recente, ele tem perdido as partidas de vôlei de Teresa, sua filha de 12 anos, apesar de ainda conseguir levar seus filhos para as aulas no centro cultural ucraniano aos sábados. (A família fala ucraniano em casa.) Sosenko sempre foi um pouco mal-humorado. Seu consultório está cheio de bonecos do "Diabo da Tasmânia" que lhe foram dados de presente por sua família, uma brincadeira com seu temperamento ocasional. Mas atualmente ele está regularmente deprimido e irritado. "Alex leva tudo a sério", disse sua mulher, Maria, uma reumatologista de 46 anos (cujo seguro contra erros médicos praticamente dobrou neste ano, de US$ 8.592 para US$ 15.472). "Ele está freneticamente à procura de ajuda". Com a queda nos reembolsos do Medicare, Medicaid e planos de saúde e o constante aumento dos seguros contra erros médicos, a renda de Sosenko caiu 40% nos últimos cinco anos, para cerca de US$ 200 mil por ano. Isso pode soar muito, até você levar em consideração os 13 anos que estudou após o colégio, as dívidas que contraiu, as noites e fins de semana em que trabalha. Como diz seu colega Cohen, com apenas um leve exagero: "Nossa renda é completamente controlada pelo governo, mas nós não temos nenhum controle sobre nossas despesas". Ambos estão se preparando para possíveis cortes ainda maiores. Sosenko desistiu por tempo indeterminado de qualquer grande gasto, inclusive a pintura da casa. Mas enquanto seus colegas e até mesmo sua mulher estão considerando mudar para o Estado vizinho de Indiana, onde o seguro contra erros médicos é mais baixo, Sosenko não consegue imaginar um corte dos laços com sua cidade-natal. Ele não apenas teria que tirar as crianças da escola e se afastar dos amigos, mas também teria que providenciar a mudança dos pais idosos de sua mulher, que eles trouxeram recentemente para Joliet. "Não quero sair daqui. Eu estou velho demais para começar do zero", disse Sosenko. Uma aposentadoria precoce é uma perspectiva igualmente pouco atraente para Sosenko, um perfeccionista que lê avidamente as revistas médicas para se manter atualizado em sua especialidade e que educa seus filhos para manterem tal padrão. Se necessário, disse Sosenko, ele provavelmente trabalhará sem seguro, atualmente uma opção perigosa para qualquer médico, mas que alguns, principalmente na Flórida, estão adotando. Outra opção que ele está explorando é trabalhar como treinador cardiopulmonar e realizador de testes em bombeiros e outros para verificar se estão aptos para o trabalho. Quanto aos planos de carreira de seus filhos, Sosenko provavelmente não encorajará seu filho mais velho, Alexander, 18, a seguir os passos do pai e avô. "Eu quero que ele seja bem-sucedido", disse Sosenko. "Eu não sei mais se ser médico é uma profissão segura". Isso tem se mostrado dolorosamente claro para Sosenko nas últimas semanas. Após o colapso das suas negociações com o Provena Hospital, os médicos da clínica, que juraram permanecer juntos, repentinamente romperam. Os três que não foram citados nos dois processos em andamento -os doutores Walsh, Visvanatha Giri e Phillip Leung- formaram uma sociedade separada e conseguiram um seguro contra erros médicos. Sosenko está planejando tirar umas duas semanas de folga agora que a apólice expirou e depois tentar encontrar um novo grupo médico ao qual se juntar. Mesmo assim, disse ele, não há ressentimento em relação aos antigos colegas. Ele está ocupado demais para isso. Há pacientes demais para tratar. E pessoas demais junto às quais fazer lobby. Com reportagem de Dody Tsiantar, em Nova York, Anne Berryman, em Atenas (Geórgia), Paul Cuadros, em Sparta (Carolina do Norte), e Michael Peltier, em Tallahassee Tradução: George El Khouri Andolfato | |||