06/01/2010
OS SAPOS E OS VAGA-LUMES
O que podemos aprender com a parábola que fala dos sapos e os vaga-lumes? Por que os sapos guerreiam contra os vaga-lumes? Por que não podem vê-los, sem que os abocanhem?
Um dia um pirilampo resolveu dirimir as dúvidas e perguntou: "Sr. Sapo, por que vive tentando nos devorar, já que nenhum mal lhe fazemos?" Ao que filosofou o batráquio: "Ora, simplesmente porque vocês brilham". Parábola animal que nos conduz a uma triste verdade humana: a incapacidade de aturarmos quem nos é superior, a maldade pela qual abafamos qualquer pessoa que se sobressaia.
É um paradoxo: mais do que de máquinas e invenções, tanto a sociedade quanto o indivíduo precisam de gente mais evoluída, mais inteligente, mais profunda. Porque são eles que, com palavras, atos e exemplos, nos impelem a avançar. Não se vangloriariam os sapos, caso alguns deles começassem, milagrosamente, a voar e reluzir como vaga-lumes?
A tragédia, no entanto, consiste em que os sapos se ponham a devorar os vaga-lumes, em vez de admirá-los; em que, tão logo apareça uma pessoa excepcional, esforcemo-nos por suprimi-la. E isto é tão comum que, quase sempre, popularidade denota mediocridade, ao passo que ataque ou rejeição revela valor: o público aplaude a quem o confirma na futilidade; repele a quem, obrigando-o a refletir, força-o a evoluir.
Jamais os sapos elegeriam ou premiariam os vaga-lumes, e sim a outros sapos que os mantenham nas trevas, embora fosse aquela a única maneira de, aos poucos, principiarem a acender-se e se erguer... Porém, a marca de uma superioridade verdadeira está exatamente em preferir ser tragado com luz, a continuar solto como trevas: se a condição para manter a vida é que se transformem em batráquios, de que traiam a si e a sua missão, os vaga-lumes preferirão morrer...
Foi Platão, há 25 séculos, que resumiu melhor todo este ministério de maldade e ignorância: “se houvesse um homem totalmente justo, que passasse a vida fazendo o bem, ajudando e amando os semelhantes, como é que estes os tratariam? Coroá-lo-iam rei? Escutá-lo-iam, ser-lhe-iam gratos, amá-lo-iam? Ah, que ingenuidade a nossa: haveria sim de prendê-lo, açoitá-lo, crucificá-lo e tentar suprimir até a sua lembrança da face terrestre...” Mal sabia ele que estava descrevendo a sina de Jesus e, em menor escala, a de todos os homens e mulheres que a Ele se assemelhavam...Antes, porém, de nos horrorizar a tolice e brutalidade humana, perguntemos se não é isto que nós próprios fazemos com qualquer pessoa que nos sobrepuje em inteligência e sabedoria. Se não nos esforçamos por esmagá-la, ou quando não, o que é pior, por jogá-la fora? Infeliz de nós, então, porque estaremos nos identificando com os sapos, que engolem os vaga-lumes por um motivo apenas: porque brilham...
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Dr. ANTONIO CELSO NUNES NASSIF, Doutor em Medicina pela UFPR. Foi presidente da Associação Médica Brasileira - É membro da Comissão de Especialistas do Ensino Médico do MEC