Escolas Médicas do Brasil

O "fantasma" que ronda as escolas médicas - Antonio Celso N.Nassif

 12/05/2011

 

O "fantasma" que ronda as escolas médicas 

"Uma coisa não é justa porque é lei, mas deve ser lei porque é justa".(Montesquieu) 

Vamos voltar ao passado visto que está mais real neste presente. Em dezembro de 1988, um editorial do jornal O Globo trouxe este posicionamento sobre Escolas Médicas: "O Brasil vive um aparente paradoxo, na área da saúde: uma população com carências gritantes e um percentual perdulário de médicos por habitante - um profissional para cada grupo de 590 brasileiros, índice duas vezes superior ao recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Fala-se de incúria, ou mesmo de corrupção, na obtenção de uma carteira de habilitação de motorista amador. Cala-se, entretanto, sobre a ausência de habilitação no médico, que é mal muito maior para a sociedade: um motorista mal treinado terá, pelo menos, o risco de um guarda de trânsito a adverti-lo e eventualmente multá-lo. Não haverá um teor mais grave de incúria e corrupção nesse silêncio, evasivo ou tramado?

Um favor feito a alguns, como se o dever do Estado em matéria de saúde fosse moeda de troca. Um favor feito a alguns, para que, em favor da coletividade sobre um presente de grego: a distribuição da incompetência, da irresponsabilidade e do descaso pela vida humana. Por esses favores, é que nos estão saindo médicos fabricados no afogadilho de fins de semana; médicos sem a residência médica em faculdades sem hospitais; médicos - o que é sumamente grave - a quem se confere um diploma pela simples contribuição dada à receita das respectivas "faculdades" que, a despeito dos notórios altos custos da formação em Medicina, apresentam-se como superavitárias. O que falta, portanto, é a determinação política para o cumprimento de uma exigência apenas elementar, em matéria de governo: o respeito pelo papel social do médico, a reclamar o máximo de escrúpulo na qualificação; e uma dose mínima de pudor, em face desse desajuste entre faculdades de Medicina em excesso e carências de saúde em constante aumento e deterioração. Um desajuste criminoso, que atende ao inútil e fútil de faculdades abertas por prestígio político, enquanto relega o essencial e, sem força de expressão, vital".

Coincidentemente, nesse mesmo mês de dezembro, o jurista Saulo Ramos em seu parecer n. SR-78 marcava posição sobre o mesmo assunto, dizendo: "A educação, direito de todos e dever do Estado, não pode ser transformada, sobretudo nos cursos superiores, em simulacro diplomado. A sociedade deseja médico que saiba medicina, que se tenha preparado cientificamente para cuidar da saúde do povo e que não seja, pela precariedade do ensino improvisado na industrialização de diplomas, uma ameaça à vida do paciente; assim como o advogado mal formado é a ameaça ao patrimônio e à liberdade individual; e o engenheiro, sem curso sério, é candidato a construir obras que desabarão. Não se pode permitir, isto sim, o desabamento da estrutura do ensino brasileiro, com a instalação de cursos de medicina sem mínimos recursos, sem hospital na região, sem corpo docente, sem bisturi. O dever do estado é ministrar a educação e, no curso superior, assegurar o conhecimento cientifico que irá, efetivamente, beneficiar a comunidade. O simples diploma não cumpre esta finalidade, antes, seria um estelionato contra a sociedade e uma grave lesão à teologia constitucional."

Isto tudo, apesar do tempo, alerta-nos hoje, com clareza, para o "fantasma" que ronda as escolas médicas. Alguns Estados e Municípios desandaram na corrida para criarem cursos de medicina. Já são mais de quinze. O MEC não pode interferir. É preciso agir sem demora na busca de uma alteração no texto da Lei que dá essa autonomia estadual, sob pena da medicina, em poucos anos transformar-se numa profissão banal e desconsiderada. E assim, os médicos caminharão celeremente para tornarem-se, como disse certa vez Joelmir Betting, "uma raça em extinção"!

Antonio Celso Nunes Nassif é Doutor em medicina pela UFPR. Foi presidente da Associação Médica Brasileira    acnnassif@netpar.com.br

 


TAGS