Escolas Médicas do Brasil

Médicos tipo importação

 30/06/2013

 

            Os últimos comunicados do Ministério da Saúde dão conta da investida já anunciada há tempos de importar médicos estrangeiros às áreas mais remotas do Brasil. Angariando protestos das entidades médicas e de boa parte da população esclarecida, no entanto, esses protestos parecem não chegar aos ouvidos blindados do Ministério. Parece não ouvir ou ver que as manifestações que caminham pelo país, levando milhares de pessoas às ruas, exigem saúde de qualidade, pleno funcionamento dos serviços públicos e, sobretudo, respeito com a população. Vê-se, assim, rota anômala, trajada ao fracasso.

            Não há oposições a cubanos, portugueses, espanhóis ou a qualquer outro médico estrangeiro; pelo contrário: são bem-vindos a um país que sempre acolheu estrangeiros, e se destaca por isso. A demanda é clara: exigem-se médicos aprovados no modelo oficial brasileiro de revalidação, o REVALIDA. O objetivo do REVALIDA é matemático: atestar as competências técnicas e linguísticas no rastreio, diagnóstico e manejo das doenças mais recorrentes, em uma sabatina de conhecimentos elementares a qualquer médico, sem nenhum exagero ou cobrança excessiva. Mesmo com uma avaliação de nível intermediário, a reprovação dos candidatos ultrapassa os 90%. Em candidatos de alguns países, como a Bolívia, a reprovação ultrapassa a cifra dos 95%.

            O Ministério da Saúde, tendo consciência da qualidade minguante dos médicos a importar, optou por não adotar o REVALIDA. Revalidar 100 diplomas por ano, por exemplo, não contempla a ânsia ministerial de injetar 6.000 médicos estrangeiros no país. A justificativa, no entanto, é a mais contraditória possível: oferecer uma autorização especial para atuarem em áreas “que mais precisam de médicos”. Tentam convencer pela comoção do discurso, mas encobrem uma cisão na oferta de saúde no Brasil: de um lado, médicos legítimos, oriundos de universidades brasileiras reconhecidas e avaliadas ou estrangeiros que tiveram competência atestada pelo REVALIDA. Do outro lado, profissionais estrangeiros que, se assim for, não são médicos, pois não terão inscrição no Conselho Federal de Medicina. Portanto, oferecem-se para uma parcela da população médicos de verdade. Para a outra, essa ainda mais carente, algum tipo de profissional, que, legalmente, não são médicos.

            O Ministério tenta minorar as queixas dos médicos nativos dizendo que “não deseja gerar concorrência com os médicos brasileiros”. Outra grande contradição: o mesmo Ministério que diz faltar médicos no Brasil é o mesmo que não deseja avolumar a concorrência. Se faltam médicos, como é possível haver concorrência? Concorrência se faz com aumento da procura ou redução da oferta...

            Tentam apaziguar os ânimos com a oferta de médicos portugueses e espanhóis, com a ideação de que médicos importados do Velho Mundo são de qualidade incontestável. Em parte, isso é bem verdade. Portugal e Espanha experimentam modelos de formação em grandes centros e estão entre os 11 melhores serviços públicos de saúde do mundo. No entanto, os médicos ibéricos servem apenas como escudo às reais pretensões: trazer médicos made in Cuba. E sendo europeus ou não, ser aprovado no REVALIDA é imprescindível.

            Cuba é um país literalmente ilhado do restante do Mundo. Restrito aos olhos externos e encapsulado pelas sanções norte-americanas, vive-se uma realidade miserável na ilha dos irmãos Castro. Em condições subumanas, com visível restrição de direitos, o modelo cubano tenta sobreviver ao isolamento político, econômico e ideológico: parece um feudo em pleno século XXI. Para manter o sistema e financiar as obras internas, além de expandir as metástases do Fidelismo, uma estratégia encontrada foi a de exportar médicos. O primeiro cartão de visitas são os índices sociais: a mortalidade infantil, útil para determinar elementos da qualidade da assistência em saúde pública, é quase três vezes inferior a do Brasil. Se pudermos confiar nos dados de um sistema integralmente controlado por uma ditadura, não há muito o que contestar. Por outro lado, é preciso ter ciência de que apenas a Mortalidade Infantil não define uma saúde de qualidade. Atenta-se para o fato de que a saúde em Cuba é pública e universal, com investimentos públicos subsidiando do salário do médico ao hospital mais complexo de Havana, usado por todos os segmentos sociais. Além disso, Cuba mantém parte do sistema de saúde indiretamente com provimentos em outras áreas; o salário dos médicos, por exemplo, é ínfimo se considerado com outros países, mas a contrapartida ocorre com os subsídios em outras áreas, o que compensa o trabalho quase “voluntário”.  Além disso, o Fidelismo imbricado motiva o ideal de “missão” entre os companheiros cubanos. O convívio com um modelo que, apesar das restrições, tem foco no investimento social, faz nascer militantes em prol da causa própria e, portanto, disseminadores do ideal cubano. Sem desmerecer as conquistas sociais, nem se valer de preconceitos de qualquer espécie, pode não tardar para o vermelho ilustrar a bandeira brasileira...

            Apesar dos alertas à população brasileira, há os que simpatizam com a ideia da importação. Não se sabe se por ideologia nata ou por desinformação, mas é preciso ponderar as arestas e, principalmente, colocar-se no lugar de quem receberá assistência importada. Se falta médico, certamente, a situação pode ficar pior: retardar diagnósticos, tomar condutas erradas e onerar o sistema com um pleno terapêutico redundante e pouco eficaz, prejudicando inocentes. Assim, aos defensores, é preciso que mostrem capacidade de sustentar a posição: abdiquem de seus planos de saúde, abdiquem de seus hospitais luxuosos e modernos, abdiquem das consultas particulares com os melhores especialistas da cidade... Abdiquem da saúde que recebem hoje e se ponham no lugar da população miserável que receberá os médicos importados. Saiam dos grandes centros, das cadeiras confortáveis dos consultórios luxuosos e vão se consultar com médicos estrangeiros que não tiveram o diploma revalidado. É simples: se eles servem à população mais pobre, devem servir para vocês também.

            Outra falsa justificativa: “os médicos estrangeiros irão para as periferias tratar diarreia e parasitose”. A Atenção Básica em Saúde é política de estado, redefinidora das políticas de saúde, sendo porta de entrada do sistema. Nela, é preciso manejar 75% a 85% dos agravos que chegam em todos os âmbitos da Medicina: Interna, Cirúrgica, Pediátrica, Gineco-obstétrica e Preventiva. Portanto, é preciso ser médico generalista, amplamente habilidoso e competente. Se for para tratar somente diarreia ou parasitose, não vai ser preciso ser médico... Até um curandeiro seria mais competente ao ofício.

            Ao Brasil, ter médicos vindos de um sistema que os acostumou a não ter condições de trabalho ou de vida, é a melhor das pedidas; talvez o sonho do Ministério da Saúde: médico barato, que não reclama, em áreas distantes, agradando aos prefeitos que não pagam salários, sem precisar investir em infraestrutura. Não é apenas um programa, parece mais ser uma salvação ao Governo brasileiro! Afinal, poucos são os que veem que há um aparelho de Raio-X em uma cidadezinha do interior... Um estádio pomposo, com vidraças blindadas, é muito mais angariador de votos e elogios...

            Se os rumores da mídia forem concretos, resta a pergunta: quantos inocentes precisarão morrer para reeleger a Presidenta?

Sua bandeira, senhora Presidenta, não terá apenas o vermelho socialista ou partidário... Terá o vermelho do sangue dos milhares de brasileiros que continuarão morrendo sem ter saúde de qualidade.

           

João Brainer Clares de Andrade

Acadêmico de Medicina da Universidade Estadual do Ceará

joaobrainer@gmail.com


TAGS