Escolas Médicas do Brasil

O VELHO MÉDICO - J.C. Simões

 30/07/2013

“ La veritá solo fu figliuola del tempo “

 ( Leonardo da Vinci)

Ele estava sentado junto à escrivaninha e colocou seus óculos para ler o Jornal: o dólar subindo, uma presidente estouvada aumentando em 2 anos o curso de Medicina, importação de médicos cubanos para o SUS, a fome do mundo, vaidades incontidas, carros e mais carros invadindo as cidades, crianças abandonadas, a cura do câncer...

Ele retirou os óculos. Fechou os olhos. Quis que o mundo parasse para ele descer.

Fez uma reflexão crítica do tempo que passou pela sua vida.

Passou as mãos pelos cabelos brancos e escassos.

Olhou seus olhos e sua retina cansada refletida na janela e viu as rugas que vincavam sua face.

Apanhou uma foto à sua frente e se viu com a esposa,  ambos ainda jovens e as crianças.

Como o tempo passou rápido. As crianças, hoje, são todas adultas. Ele sempre tão ocupado com os pacientes, nem percebeu as crianças crescerem. Todos na Universidade. Alguns já casados e com filhos.

Ah! Os netos! Era como se voltasse a ser pai novamente. Com mais experiência, com mais doçura e sem pressa...

Sua mão, de repente, se deteve no estetoscópio que estava sobre a escrivaninha.

Aquele velho estetoscópio do velho médico.

Ganhou de presente do seu avô quando ainda era acadêmico do primeiro ano de medicina – foi o presente mais significativo que havia ganhado em toda a sua vida!

E repetiu aquele gesto de colocá-lo na orelha e sobre o seu próprio peito escutando o seu coração que agora batia mais forte. Recuperando uma emoção de quando era um médico novel e queria ajudar as pessoas.

A mesma emoção hipocrática e pura do relacionamento humano interpessoal com o doente que sofre. Que precisa ser cuidado. Que precisa das nossas mãos sobre o seu corpo.  Que precisa que escutemos o que tem para nos falar.

Será que o velho médico, velho professor de medicina, ainda poderia, hoje em dia, ensinar alguma coisa para seus estudantes de medicina?

Será que aquele gesto de colocar o seus velho estetoscópio sobre o peito de um paciente ainda significaria alguma coisa para essa nova geração tão sufocada com o tecnicismo cada vez mais sofisticado?

Tudo passa na vida. A vida é breve e frágil.  As pessoas, os colegas, os pacientes. As doenças passam e mudam. Algumas amizades acabam, outras recomeçam.

Só o tempo e o amor transformam  o coração dos homens.

A medicina é a ciência das verdades transitórias como a própria vida.

O jovem médico repetirá sempre o longo, árduo e áspero caminho da Medicina. Porém,  será deles a esperança de transformar,  melhorar  e  dar alegria ao caminho tão corrompido pela estupidez das políticas delirantes dos governos e ideologias.

E ali ficou, o velho médico, escutando o seu coração que batia acompanhando os segundos do tempo que passa, inexoravelmente, e não volta mais...

 

João Carlos Simões


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