A Prefeitura de São Paulo enviará à Câmara Municipal um pacote de medidas destinadas a atrair e reter profissionais da saúde nas unidades da rede pública municipal, para eliminar um déficit de pessoal que já dura pelo menos dez anos. Remuneração compatível com a do mercado, avaliação de desempenho, cumprimento de metas e plano de carreira são alguns dos itens que deverão compor a proposta que a Secretaria da Saúde quer ver aprovada até março. A iniciativa poderá beneficiar 55 mil servidores municipais. Atualmente, apenas no setor de atendimento básico há um déficit de 500 médicos na rede.
Em algumas regiões da cidade, principalmente as de maior índice de criminalidade, há uma falta crônica de pessoal médico nas unidades da rede pública. Um levantamento realizado pela Universidade Federal de São Paulo mostra que nos bairros de Sapopemba, Aricanduva e São Mateus, na zona leste, há carência de cerca de 800 profissionais, de médicos a assistentes. Contribuiu para essa situação o salário pago aos médicos pela Prefeitura, que varia de R$ 2,5 mil a R$ 3,2 mil, enquanto a média inicial nos hospitais particulares é de R$ 4,5 mil.
É oportuna a iniciativa da Prefeitura de implantar mecanismos de avaliação de desempenho e estímulo à carreira, já rotineiros no setor privado. Mas essa medida deve ser acompanhada de outras, apontadas pelo presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo, Cid Carvalhaes, como sendo de interesse da categoria.
O abastecimento de insumos hospitalares, a modernização dos equipamentos, a instalação de laboratórios e a interligação das unidades da rede para a rápida remoção de casos mais graves são fundamentais para atrair médicos e enfermeiros para o trabalho na rede pública. São poucos os profissionais que aceitam trabalhar em condições precárias, responsabilizando-se pela saúde de milhares de pessoas. "Isso não só pesa mais do que a questão salarial, como é extremamente mais relevante", considera Cid Carvalhaes.
Em algumas unidades de saúde da periferia, o trabalho é uma atividade de alto risco. São freqüentes os casos de médicos e enfermeiros que foram vítimas de assaltos e seqüestros relâmpagos, entre outros tipos de crime, nas imediações do local de trabalho ou que ficaram frente a frente com quadrilhas que invadem prontos-socorros para exigir atendimento imediato aos seus comparsas ou para "justiçar" os seus inimigos. Se a Prefeitura pretende ter os serviços de um número adequado de profissionais, é preciso dar-lhes mínimas garantias de segurança - a começar por um policiamento ostensivo e eficiente nas unidades de saúde.
Percebe-se claramente que falta um plano integrado para resolver o problema do déficit de médicos, fisioterapeutas, enfermeiros e assistentes na rede municipal de saúde. Durante muitos anos, a administração municipal deixou de investir na valorização dessas carreiras e a população ficou malservida. Os serviços de saúde são considerados insatisfatórios por 70% dos paulistanos, conforme a pesquisa Viver em São Paulo.
Há na capital 3,96 médicos para cada grupo de mil habitantes, um número bastante superior aos 2,5 considerados satisfatórios pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A Prefeitura de São Paulo tem um quadro de 8,5 mil médicos. O problema é eliminar o déficit crônico de 500 profissionais, principalmente na periferia. Nos últimos tempos, a administração municipal tem tentado, de várias maneiras, preencher essas vagas. Em dezembro, por exemplo, abriu para todos os médicos da rede uma espécie de voluntariado para plantões de 12 horas em qualquer uma das unidades da capital, pagando R$ 670 por jornada de trabalho nos bairros carentes.
Mas esses remendos não resolvem o problema - daí a decisão da Prefeitura de encaminhar à Câmara Municipal um plano de ações integradas. As autoridades, que se preocupavam prioritariamente com destinar recursos para a construção de novas unidades, agora parecem convencidas de que, sem um quadro completo de profissionais competentes, não haverá serviço público de saúde de qualidade.
OPINIÃO - jORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO