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CUBA - Classe médica reage contra o projeto que favorece revalidação de diplomas cubanos

 17/07/2008


Classe médica reage contra projeto que
favorece revalidação de diplomas cubanos


Governo não descarta possibilidade de abrir vantagens para outros países. Segundo dados do Cremesp, apenas 15,5% dos médicos que revalidam diplomas estão no interior

As entidades nacionais – Conselho Federal de Medicina, Associação Médica Brasileira e Federação Nacional dos Médicos – manifestaram-se veementemente contra o projeto, em tramitação no Congresso, com medidas destinadas a facilitar o reconhecimento dos diplomas de medicina obtidos em Cuba por estudantes brasileiros.

A classe médica é ferrenha defensora de mecanismo uniforme e em igualdade de condições para a revalidação de diploma a todos os brasileiros e não-brasileiros que se graduam em medicina no exterior e pretendem exercer a atividade no país. A manifestação decorre do termo firmado em janeiro pelo presidente Luis Inácio Lula da Silva com o governo cubano para facilitar a validação do diploma de brasi-leiros formados pela Escola Latino-Americana de Medicina (Elam), em desacordo com as normas vigentes e que determinam o processo seletivo nas universidades públicas conforme as diretrizes educacionais, que atendem as características sociais e epidemiológicas brasileiras.

O projeto foi preparado em outubro de 2006 pelos Ministérios das Relações Exteriores do Brasil e de Cuba, em forma de mensagem. Hoje, como Projeto de Decreto Legislativo (PDC) nº 346/2007, recebeu a chancela da Comissão de Relações Exteriores da Câmara e está sendo examinado pelas Comissões de Educação e Cultura e de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Atualmente, para que possam exercer a profissão, os alunos brasileiros formados em cursos de graduação no exterior precisam validar o diploma em universidade pública do Brasil – processo de avaliação variável de acordo com a instituição.

Para as entidades médicas é fundamental comprovar que o médico está apto a responder às necessidades de nosso sistema de saúde. E isso vale para qualquer país – como é o caso, para os brasileiros que se formam no exterior. O presidente do CFM, Edson de Oliveira Andrade, acredita que os estudantes cubanos têm padrinhos fortes para ganhar esse benefício. “Não há razão para se privilegiar Cuba. Até porque a Elam é uma escola muito nova, que só formou três turmas e não tem competência para se comparar com o ensino brasileiro. Cada médico, formado em qualquer lugar do mundo, deve responder por sua qualificação. O que queremos é criar no Brasil um mecanismo uniforme e unitário de revalidação de diplomas e que todos os brasileiros ou não brasileiros que queiram aqui trabalhar como médicos possam ser a ele submetidos de maneira justa, adequada e honesta”, disse Andrade.

“Consideramos o ingresso de médicos formados em Cuba, sem a revalidação do diploma, um privilégio perigoso e inaceitável. Não permitiremos mais esse ataque aos pacientes”, afirma José Luiz Gomes do Amaral, presidente da Associação Médica Brasileira.

O presidente da Frente Parlamentar da Saúde da Câmara dos Deputados, Darcísio Perondi (PMDB-RS), lembra que os currículos acadêmicos de outros países não abordam diversas doenças existentes no Brasil. Daí a necessidade de que seus alunos passem por um período de complementação em universidade brasileira. “Mas isso tem que servir para todos”, exemplifica.

O presidente da Associação Brasileira de Ensino Médico (Abem), Milton de Arruda Martins, argumenta que se a escola cubana é tão boa certamente seus alunos não terão dificuldades para passar nos exames. “O tratamento deve ser igual para todos”, ratificou.

O Ministério da Saúde informou que, inicialmente, serão validados apenas os diplomas expedidos em Cuba, mas já estuda estabelecer normas para reconhecer os cursos de medicina feitos por brasileiros em outros países.

Cubanos para o interior
Tem sido constante a afirmação de que os médicos brasileiros não querem atuar no interior do país. Essa alegação vem sendo utilizada por governantes com vistas a legitimar a contratação de médicos estrangeiros para suprir as lacunas existentes no atendimento médico. O Ministério da Saúde tem o discurso de que os médicos beneficiados com a revalidação automática de diploma irão resolver o problema da falta de profissionais no interior.

O Brasil ainda não estabeleceu uma política de estímulo à interiorização do médico, de desconcentração do profissional especializado, do profissional que atenda, de fato, às necessidades maiores da população, que envolve, inclusive, o médico da família, forçando a uma superconcentração e uma distribuição inadequada.

Desde 1996, segundo dados do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), 68,36% (242) dos médicos que revalidaram diplomas no estado estão trabalhando na Grande São Paulo, 16,1% (57) nos grandes centros e apenas 15,54% (55) no interior.

Edson Andrade afirma que o governo federal não tem uma política de recursos humanos para manter o médico no interior: “O governo deve estimular, de forma planejada, a interiorização dos médicos. Há vários problemas enfrentados por esses profissionais, que muitas vezes fazem com que o médico desista do posto para o qual foi selecionado – como, por exemplo, ausência de infra-estrutura do município que o recebe, as péssimas condições de trabalho, a falta de salário digno, segurança e material hospitalar”.

Milton de Arruda explica que existe uma série de entraves – às vezes, o medo da violência. “Não é uma medida isolada de reconhecer diploma de médicos formados em determinado país que vai resolver esse problema”.

Em 2001, o Programa de Interiorização do Trabalho em Saúde, promovido pelo Ministério da Saúde, com apoio do CFM, trouxe dados que comprovam muita disposição dos médicos brasileiros em atender as necessidades das regiões carentes: para concorrer às primeiras 150 vagas inscreveram-se 1.882 médicos e 10.467 enfermeiros, num total de 12.349 profissionais de saúde.

“É preciso um Plano de Cargos, Carreira e Salários exclusivo da categoria médica, estabelecendo progressão mediante tempo de serviço e qualificação contínua, possibilitando a interiorização do médico nos moldes do que já ocorre na carreira de juízes e promotores”, alerta Edson Andrade.

Formação frágil
O processo seletivo atual atende ao teor da Resolução nº 1/02, da Câmara de Educação, do Superior do Conselho Nacional de Educação. Mas não existe a obrigatoriedade de provas para verificação de conhecimentos.

São quatro as etapas previstas. A primeira delas, de equivalência curricular, reprova a maioria dos formados fora do país, pois, pelas peculiaridades locais, as diferenças são extremas, sobretudo pelas referências epidemiológicas. A segunda e terceira etapas são de conhecimentos básicos e profissionais, onde é exigido escore de 70%, idêntico ao imposto aos egressos das escolas brasileiras. A quarta etapa aborda competência e habilidades.

A proposta das entidades médicas com a Abem é de que o médico ainda seja submetido a provas escrita e prática, unificadas e obrigatórias. Esse processo seria supervisionado por uma Comissão Nacional de Revalidação de Diploma Médico Expedido no Exterior, composta pelos Ministérios da Saúde, Educação e Relações Exteriores.

“O processo de revalidação deve ser igual para todos. Em nossa proposta, esse processo tem que incluir, primeiro, uma avaliação da documentação. Se houver essa compatibilidade, ser seguido de prova escrita e, caso o candidato seja aprovado, de provas práticas para também avaliar a capacidade pertinente à relação médicopaciente”, explica Milton de Arruda.

Edson Andrade acrescenta: “Não somos contrários a que médicos formados no exterior trabalhem no Brasil. Defendemos apenas que a legislação brasileira seja cumprida. E essa legislação diz que para exercer a profissão aqui os médicos formados no exterior devem submeter seus diplomas a prévia revalidação”.

As estimativas atuais são de que mais de seis mil brasileiros estejam cursando ou já cursaram medicina fora do Brasil. Em média, cerca de 600 têm voltado anualmente ao país, a maioria oriunda das 10 escolas bolivianas.


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