Médicos e professores poderão pagar empréstimo com trabalho
 Profissionais terão a opção de prestar serviço em cidades sem atendimento  | Antônio Costa/Gazeta do Povo |  |  |  |  |  |  |  | Guilherme Ricardo da Silva financia 50% da mensalidade do curso de Matemática e vê a proposta do governo como uma oportunidade |  |
| A partir do próximo semestre, futuros médicos e professores poderão trocar trabalho, após formados, pelo pagamento do crédito educativo. A proposta é do Ministério da Educação (MEC) e deve constar na nova portaria que regulamentará as mudanças no Programa de Financiamento Estudantil (Fies), a ser anunciada no sábado pelo ministro da Educação, Fernando Haddad, em Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro.
A portaria será discutida hoje em Brasília, numa reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As medidas devem entrar em vigor no segundo semestre deste ano, quando haverá abertura do financiamento.
| Proposta precisa de políticas de desenvolvimento Para dirigentes de universidades privadas e representantes de entidades das categorias profissionais, a proposta feita pelo MEC só dará certo se estiver acompanhada de políticas públicas para desenvolvimento de regiões carentes. Essa é a opinião do pró-reitor de Administração, Planejamento e Desenvolvimento da PUCPR, Valdecir Cavalheiro. “Essas ações precisam de fundamentos econômicos refletidos e investimentos pesados nas áreas de educação e saúde. Senão corre o risco de o profissional pagar a dívida com o governo e apenas ficar temporariamente nessas regiões”, diz. Leia a matéria completa | Entre as propostas adiantadas na semana passada pelo secretário de Ensino Superior do MEC, Ronaldo Mota, está a possibilidade de médicos e professores, formados com o auxílio do Fies, trabalharem nos sistemas públicos de saúde e educação para quitar seus empréstimos. Aos médicos caberia trabalhar em algum dos cerca de 1,2 mil municípios brasileiros onde não há atendimento. Já os professores seriam contratados para tentar preencher o déficit de 250 mil vagas existente no sistema público da educação básica.
De acordo com o relatório da última prestação de contas do Fies, divulgado no site da instituição, em 2006 eram 377.662 estudantes que se beneficiavam do programa. A inadimplência média para todos os cursos é de 23%. “São recursos que a União deixa de receber. Mas, neste momento, pode ser mais importante a troca por educação e saúde”, afirma Mota. No Paraná, 47.538 estudantes já foram beneficiados pelo Fies desde o início do programa, o que representa cerca de 9,4% dos 506.672 alunos beneficiados em todo o Brasil.
| Outras mudanças O secretário de Ensino Superior do Ministério da Educação, Ronaldo Mota, adiantou outras modificações no Fies, com novas facilidades para aprovação do crédito estudantil: • O Fies fica articulado ao Programa Universidade para Todos (ProUni). Caso o estudante tenha, por exemplo, uma bolsa parcial do ProUni de 50%, ele poderá financiar os outros 50% da mensalidade com recursos do Fies. Hoje ele consegue financiar apenas a metade do valor. • O prazo para o pagamento do Fies aumentou: agora corresponde a duas vezes o período de conclusão da graduação. Cursos de cinco anos, por exemplo, poderão ser pagos em dez. • A taxa de juros do financiamento diminuiu, principalmente para as carreiras consideradas prioritárias como as licenciaturas, pedagogia, normal superior e cursos de tecnologia. Nesses casos, a taxa passa de 9% para 3,5% e nos demais cursos os juros caem para 6,5%. • Outra mudança será feita para diminuir um dos maiores entraves ao financiamento: muitos estudantes de baixa renda tinham dificuldades em encontrar um fiador para conseguir o Fies. Agora, os alunos podem se reunir em uma espécie de cooperativa de crédito, o fiador solidário, e assim garantir que seus cursos sejam pagos com recursos do programa. |
O efeito prático da medida só seria visto daqui a quatro anos: apenas novos candidatos ao Fies poderiam aderir a essa proposta. A adesão não é obrigatória. Ainda não estão definidas quantas vagas seriam oferecidas e quanto tempo os estudantes teriam de trabalhar para quitar seu empréstimo. A troca não significa que o futuro médico ou professor trabalhará de graça. Na verdade, ganhará duas vezes: um salário, pago pelas prefeituras ou governos estaduais, e a quitação do seu empréstimo. Cada profissional terá de cumprir pelo menos 20 horas semanais.
Experiência x políticas públicas
A proposta do governo foi bem recebida por futuros médicos e professores, bem como pelo movimento estudantil no Paraná. Mas ainda suscita muitas dúvidas. O acadêmico do segundo ano de Matemática da PUCPR Guilherme Ricardo da Silva, 19 anos, utiliza o financiamento para 50% da mensalidade e acredita que a proposta é uma oportunidade de sair da faculdade com um pé no mercado. “É válido. Nem todos depois de formados conseguem emprego e isso muitas vezes dificulta para pagar o empréstimo”, diz.
O estudante do quinto ano de Medicina da Universidade Positivo Armando Francisco Mushashe, 22 anos, deve considerar a opção proposta pelo governo. O acadêmico irá concluir a faculdade no ano que vem. “Teria interesse em saber a respeito porque preciso arranjar alguma coisa assim que termine o curso, não existe carência para pagar. Porém depende de quanto seria o ganho, se eu recebesse mais na capital ficaria por aqui”, diz.
Qualquer mudança que visa à melhoria do Fies é positiva, na opinião da presidente da União Paranaense dos Estudantes (UPE), Fabiane Zelinski. Ela acredita, no entanto, que a proposta deveria ser amplamente discutida com a sociedade civil. “O diploma não garante o acesso ao mercado. Os estudantes têm intenção de pagar, mas há de se considerar como não onerar mais o orçamento do recém-formado”, finaliza. _____________________________________________________________________ Proposta precisa de políticas de desenvolvimento | TATIANA DUARTE |  |
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Para dirigentes de universidades privadas e representantes de entidades das categorias profissionais, a proposta feita pelo MEC só dará certo se estiver acompanhada de políticas públicas para desenvolvimento de regiões carentes. Essa é a opinião do pró-reitor de Administração, Planejamento e Desenvolvimento da PUCPR, Valdecir Cavalheiro. “Essas ações precisam de fundamentos econômicos refletidos e investimentos pesados nas áreas de educação e saúde. Senão corre o risco de o profissional pagar a dívida com o governo e apenas ficar temporariamente nessas regiões”, diz.
A opinião é compartilhada pela secretária de organizações da APP– Sindicato (entidade que representa os trabalhadores em educação pública do Paraná), Marlei Fernandes. “Obviamente não adianta colocar profissionais onde não tenha a mínima estrutura. Sem contar que a educação precisa de um incentivo que é a regulamentação, por meio da aprovação do piso salarial nacional e condições de trabalhos adequadas”, diz.
Já o vice-reitor da Universidade Positivo, José Pio Martins, não considera ruim a idéia de troca. “Para muitos é uma oportunidade de trabalhar. O que me chamou a atenção foi o esquecimento com relação aos estudantes das universidades federais. Entendo que após formados eles deveriam retribuir voluntariamente à sociedade que lhes deu um curso de graça”, diz.
Categoria é contra
O representante da Associação Médica do Paraná (AMP) Antônio Celso Nunes Nassif, no entanto, entende que a troca não é ética. “Não é bom para a formação do caráter nem para a moral do novo médico, que já vai trabalhar precisando ganhar para pagar o financiamento, o que não é ético na prática da Medicina”, diz.
O médico Nassif, que já foi presidente por quatro gestões da Associação Médica Brasileira (AMB), ressalta que a tentativa do governo federal de colocar médicos em áreas mais carentes do país é antiga e lembra que em 1987 eram cerca de 500 municípios que não tinham médicos no país. Nas gestões do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995– 2002), o Ministério da Saúde chegou a oferecer até R$ 8 mil para médicos que se dispusessem a atuar em municípios sem atendimento. “Não adianta mandar apenas o médico se o governo não montar uma estrutura mínima necessária para o atendimento em saúde. Com o médico tem que ir o posto de saúde, equipamentos, enfermeiros e outros profissionais da área”, diz. |  |
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