27/06/2008
Pesquisa
Futuros médicos não se interessam por projetos de Saúde da Família
Publicado em 26.06.2008, às 23h20
Apenas 5% dos estudantes de medicina desejam trabalhar em pequenas cidades do interior. Essas regiões concentram a maioria dos projetos de Saúde da Família, capazes de resolver 70% dos problemas de saúde da população. A informação é parte de uma pesquisa do Instituto Oswaldo Cruz (IOC).
O médico Neilton Oliveira, autor do estudo, entrevistou 1.004 estudantes do internato de 13 cursos de medicina em Goiás, no Tocantins, em Alagoas, no Paraná, no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro.
Segundo a pesquisa, 63% dos alunos pretendem atuar como médico especialista depois de formado. "Esse é o ideal para muitos estudantes: ser um grande especialista, altamente remunerado e com grande reconhecimento social", afirma Oliveira. "Na contramão, o SUS demanda profissionais dispostos a atuar na atenção integral da saúde."
O estudo aponta ainda que apenas 12% dos alunos entrevistados consideram que a instituição de ensino em que estudam adota um modelo baseado na integralidade da atenção à saúde, preconizada pelo SUS.
Algumas faculdades, contudo, já adotam modelos alternativos. Na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), os alunos atuam na rede básica no 4º e no 5º anos. Duas turmas já se formaram com o novo currículo. A coordenadora do curso de Medicina da Unicamp, Angélica Zeferino, acredita que a experiência no hospital é incompleta. "Ela não dá uma visão real do que será o trabalho do médico. Depois, quando o estudante sai da faculdade, fica frustrado: os procedimentos de rotina tomam o lugar das doenças raras", afirma. "A experiência na rede básica mostra ao aluno que é possível fazer boa medicina no SUS."
A Universidade Estadual de Londrina (UEL) foi ainda mais radical. "Os alunos freqüentam, desde o primeiro ano, as Unidades Básicas de Saúde", explica Abel Soares, coordenador do internato médico.
VALORIZAÇÃO - Para o coordenador da Comissão de Ensino Médico do Conselho Federal de Medicina (CFM), Genário Barbosa, a tendência dos estudantes de procurarem especialidades de alta rentabilidade é mundial, e mudanças curriculares não ajudam a reverter esse processo. "É preciso valorizar o profissional que trabalha com saúde da família", afirma Barbosa. "Se fizermos isso, os estudantes vão se interessar pela área."
A estudante do 4º ano de Medicina na Unicamp, Etienne Cordeiro, deseja fazer residência em ortopedia. Ela aponta a falta de estrutura nas cidades pequenas como um fator que desestimula a ida de profissionais jovens para as cidades menores. Pamella Nakvasas, colega de Etienne, também quer seguir a mesma carreira. As duas valorizam a experiência no Centro de Saúde Barão Geraldo, em Campinas. "Quando atendemos no pronto-socorro do hospital, criamos poucos vínculos com o paciente", afirma Pamella. "Adquirimos essa experiência no centro de saúde."
No ano passado, dos 110 alunos formados pela Unicamp, 15 resolveram não prestar residência. Preferiram trabalhar no SUS alguns anos antes de escolher uma especialidade. "Isso nunca tinha acontecido antes", comemora Angélica. "Mas, sem dúvida, o profissional generalista precisa ser mais valorizado para que as mudanças de currículo tenham um reflexo mais efetivo."
A Unicamp e a UEL contam com o auxílio do Pró-Saúde, programa do Ministério da Saúde que financia faculdades dispostas a aproximar seus alunos dos serviços públicos de atenção básica. Ana Haddad, diretora de Gestão da Educação da Saúde do Ministério, afirma que o programa já apresenta os primeiros frutos. "Um relatório sobre os resultados será divulgado em breve, mas já notamos uma maior integração entre ensino e serviços de saúde."
Fonte: Agência Estado