Escolas Médicas do Brasil

Revista DOC Edição n.31- Entrevista com a Dra. Jadete Lampert,

 02/12/2013

 

 

Revista DOCEdição #31

 

 Entrevista com a Dra. Jadete Lampert,

Presidente da Associação Brasileira de Educação Médica.

 

Perguntas

 

  1. Como você avalia a formação dos médicos no Brasil? Por quê?

 

R. A formação dos médicos no Brasil está em transição paradigmática e tem sido questionada, visto o avanço com velocidade crescente da ciência e tecnologia que cria novas demandas em saúde, além da ampliação do conceito de saúde. O conceito de saúde hoje entendido como qualidade de vida, estende a clientela do médico e demais profissionais da saúde a todo ser humano desde a concepção até a morte, não mais se restringindo apenas ao doente.

 

  1. De 1996 a 2007, foram criados mais 77 cursos de Medicina no país, configurando o total de 202 cursos que possuímos hoje. Qual sua opinião sobre o crescimento no número de escolas médicas? Ele atende à demanda ou isso gera a formação de muito mais médicos do que o mercado consegue absorver?

 

R. O crescimento do número de escolas médicas, de certa forma, segue a tendência do crescimento da população brasileira, que neste período cresce aproximadamente de 170 para 200 milhões de habitantes, segundo IBGE. Neste mesmo período, adquirimos maior compreensão e conhecimento do processo saúde-doença e o quanto devemos identificar e atuar em fatores que determinam a saúde para promovê-la e em fatores que determinam as doenças para preveni-las, além de dar contar dos recursos existentes para diagnóstico, tratamento e reabilitação, que também se multiplicam no avanço científico e tecnológico. Portanto, as demanda em saúde são muito grandes, e o que vemos no mercado, no SUS, é a falta significativa de estrutura e condições de trabalho em especial na atenção básica de saúde, e de um plano de carreira profissional para proporcionar uma assistência em saúde contínua e de qualidade a toda população brasileira.   

 

  1. De maneira geral, há grande diferença entre o ensino público e privado? Qual é o melhor?

 

R. O ensino independe da natureza da escola, pública ou privada. A boa formação depende de uma boa gestão, de um bom projeto pedagógico que disponha de um corpo docente qualificado, não apenas em títulos, mas, em especial, no domínio do processo ensino-aprendizagem e de avaliações para conhecimentos, habilidades e atitudes em caráter formativo, participativo, junto dos futuros profissionais, os estudantes, para estimulá-los e facilitar/orientar a construção do próprio conhecimento. Hoje, o acúmulo e dinâmica de produção de novos conhecimentos tornam inviável o método tradicional de transmissão de conhecimentos, tão somente. Os métodos ativos de construção de conhecimentos são preponderantes para dar conta de formar profissionais capazes de manterem-se, na educação permanente, atentos a assistência/cuidado de qualidade em saúde no cotidiano de suas atividades, e com capacidade para trabalhar em equipe.  Existem boas escolas públicas e privadas, assim como, existem as não tão boas.

 

  1. O que falta para melhorar a formação desses estudantes?

 

R. Em trabalho desenvolvido pela ABEM (Caem/Abem, 2006-2009) de identificar tendências de mudanças na formação do médico e profissionais da área da saúde nos cursos de graduação para atender as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) e para inserção no Sistema Único de Saúde (SUS) mostra, claramente, em um grupo de trinta escolas avaliadas que:

a) possuem Projetos Pedagógicos adequados para atender as DCN, quanto ao perfil profissional, ao conhecimento e uso da ciência e tecnologia, a produção de conhecimento e a necessidade de continuidade da formação no pós-graduação e na educação permanente;

b) a implementação do projeto, na abordagem pedagógica, tem encontrado dificuldades que começa com a estrutura do programa curricular, ainda fragmentada (básico e profissionalizante) com dificuldades em trabalhar a interdisciplinaridade e fazer a integração dos conhecimentos, da teoria com a prática;

c) a prática junto dos serviços de assistência tem avançado mediante convênios firmados das escolas com as secretarias de saúde municipais e estaduais. Mas, com grande freqüência se identificam conflitos de acesso e orientação, além da continuidade dos convênios, quando há troca de governo;

d) o grupo de professores das escolas tem tido dificuldades quanto ao domínio didático-pedagógico para trabalhar com as novas metodologias ativas de construção do conhecimento. Além, de carecer de uma capacitação/desenvolvimento para esta tarefa essencial de docente. Na sua avaliação como tal, os critérios usados pelo MEC valorizam fortemente a titulação e o número de publicações de trabalhos científicos, sem indicadores para conferir a relevância necessária ao trabalho docente, no processo ensino-aprendizagem dos futuros profissionais médicos para as necessidades contemporâneas. Os métodos avaliativos do corpo docente não estimulam, pessoalmente e institucionalmente, as tarefas de ensino para o investimento neste pilar de fundamental importância para uma boa formação profissional. Este processo de formação, por certo, se refletirá fortemente no exercício da profissão e na qualidade da assistência em saúde prestada a população brasileira.

Além do mais, é hora de se rever/avaliar os processos seletivos para ingresso nos cursos de graduação, pensando em atender as demandas sociais da população brasileira, com acesso e fixação de profissionais em locais desprovidos de assistência em saúde.

 

  1. E os professores? O que falar da qualificação dos profissionais que ensinam aos graduandos de Medicina? A maioria está bem preparada para lidar com o ensino que exige uma responsabilidade tão grande?

R. Os professores para as escolas médicas e também para as demais escolas da área da saúde são selecionados mediante critérios tradicionais que persistem, apesar do avanço de conhecimentos, desde a primeira metade do século XX. Os concursos constam basicamente de critérios que analisam titulações, avaliam o resultado de uma prova escrita e de uma aula expositiva, ambas com prévio sorteio de ponto. Existem algumas escolas que tem buscado ampliar estes critérios para aspectos contextualizados no âmbito da formação/atuação do profissional e do mérito da docência. Conseqüentemente, um número significativo de docentes não se encontram preparados para desenvolver atividades de ensino/avaliação dentro de um processo formativo, construtivo e participativo (SINAES, 2004). Muitas escolas se limitam a avaliações por freqüência e provas com questões escritas, pontuais.

 

  1. E como garantir a qualidade profissional dos médicos já registrados? Há alguma forma de testar seus conhecimentos, saber se já estão atualizados, depois de formados e registrados?

R. O médico já registrado após uma colação de grau pela escola de origem tem o aval da escola que o entrega à sociedade declarando “Podeis exercer a Profissão”. Evidente que esta é a questão que nos inquieta a todos, quanto às competências e a possibilidade de se manter atualizado deste profissional. Este desafio deve estar e está nos mobilizando, enquanto Sociedade e Estado, no uso do poder, para definir políticas que exijam capacitação, avaliação e valorização do profissional, de forma que permitam acompanhar e valorizar seu desempenho junto da comunidade assistida com recompensa aos bons desempenhos. Ainda, não temos identificado uma forma de testar conhecimentos, habilidades e atitudes do profissional no exercício da profissão, a não ser a oferta de cursos de educação continuada, predominantemente, em áreas especializadas.

 

  1. Segundo um artigo publicado no portal do CFM, mais de 6 mil médicos entram no mercado de trabalho sem ter passado pela residência. Qual o impacto desse fato no mercado e no atendimento à população? O que pode ser feito para incentivar a residência?

 

R. Os excedentes médicos egressos das escolas, frente ao número de vagas oferecidos para Residência Médica, entram direto no mercado sem dificuldades para encontrar trabalho. O impacto está diretamente ligado a qualidade do curso de graduação realizado por cada um. Um bom curso de graduação, certamente, possibilitará um bom desempenho deste profissional, resolvendo a maioria dos problemas de saúde da população e sabendo dar encaminhamento dos casos que exigem maiores investigações/intervenções. Para se incentivar e ter uma boa residência médica e/ou residência multiprofissional, devemos contar com bons programas e dispor de serviços com bons profissionais preceptores.

 

  1. Ainda em relação à residência, como garantir uma boa preceptoria?

 

R. A boa preceptoria é formada por profissionais qualificados que se capacitam para atuar junto dos profissionais residentes, e nesta relação são capazes de aprimorar a formação, que vai além das competências técnicas.

 

  1. As universidades estão bem distribuídas geograficamente? Como resolver esta questão?

 

R. Pode-se observar que: a) a população brasileira não está uniformemente distribuída no território nacional; b) as regiões e cidades mais desenvolvidas estão predominantemente concentradas no litoral brasileiro – um dos motivos da criação de Brasília/DF foi interiorizar o desenvolvimento; c) há concentração maior de pessoas nos locais de maior desenvolvimento/recursos; e naturalmente d) as universidades e cursos superiores se concentram nestes locais. Fica evidente, como vários estudos mostram que os serviços, em especial em saúde, se concentram onde há maior desenvolvimento econômico (Gentile de Mello, 1978). Esta questão deve se resolver com políticas de Estado que determinem esforços a curto, médio e longo prazos dirigidos com fortes incentivos para levar o conforto do desenvolvimento aos lugares carentes, carreando junto os componentes essenciais para maior qualidade de vida nestes locais.   


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