Escolas Médicas do Brasil

Programa Saúde da Família é bom e pode melhorar

 13/08/2007

Programa Saúde da Família é bom e pode melhorar


por Nelson Guimarães Proença

O programa “Saúde da Família” foi instituido pelo Ministério da Saúde no início dos anos noventa. A princípio teve um caráter experimental e limitado, mas logo provou ser um importante instrumento de políticas públicas de promoção à Saúde, voltadas para as populações de mais baixa renda. Ficou demonstrado que melhorava os indicadores sanitários, ali onde era implantado, daí resultando a entusiástica adesão dos governos estaduais e municipais.

O atendimento é feito por equipes multidisciplinares, centradas em um médico, mas contando com a essencial participação de enfermeiras, de assistentes sociais e de agentes comunitários de saúde. Todos participam e contri-buem, dentro de suas atribuições, para que se possa alcançar os objetivos propostos pelo programa. A atuação destas equipes é de relevante importância, em áreas onde existem populações de alta carência sócio-econômica. De fato, as camadas mais desvalidas da sociedade, as mais vulneráveis, são reconhecidamente as que têm maior dificuldade para utilizar os recursos e equipa-mentos do Sistema Único de Saúde (SUS). Assim, de modo paradoxal, os que mais necessitam nem por isso são os que mais facilmente tem acesso às atenções primárias e secundárias do SUS.

O programa de apoio à Saúde da Família inverte a lógica do atendimento: “- se os mais carentes não vêm até nós, iremos nós até os mais carentes”. Boa proposta, cujos resultados já são conhecidos e estão aprovados. Mas, seria possível melhorar o atendimento? Há iniciativas que poderiam contribuir para esta melhoria? Há, sim, experiências que precisam ser conhecidas e aproveitadas.

É oportuno destacar uma destas experiências, nascida sob inspiração da Organização Mundial de Saúde (OMS). Em áreas de alta carência social, sobretudo nos continentes africano e asiático, procurou-se aprimorar o treinamento das equipes multidisciplinares, aumentando sua aptidão para o enfrentamento dos desafios surgidos em seu trabalho sócio-sanitário.

Quero me referir a um destes programas de treina-mento, conduzido no Nepal, país asiático, que teve por objetivo ensinar como reconhecer as doenças de pele mais comuns, disso resultando uma conduta mais adequada, em cada caso. Os resultados foram comunicados em prestigiosa revista científica inter-nacional (*) em abril deste 2007. Faço um resumo desse trabalho. Na região escolhida para o programa não havia dermatologistas. O grupo treinado compreendia dois médicos, três assistentes sociais e 19 agentes comunitários de saúde. Os dermatologistas que orientaram o treinamento eram três, todos professores em Londres. Ensinaram a reconhecer as doenças cutâneas mais comuns, derivando daí uma conduta mais adequada, caso a caso, dentro dos limites das atribuições das equipes treinadas. O trabalho que acaba de ser publicado mostra que houve uma significativa melhora do atendimento efetuado, confirmando assim as expectativas da OMS.

No Brasil estamos em situação certamente muito melhor do que a maioria dos países africanos e também de muitos dos países asiáticos. Aqui, todas as equipes de saúde têm seu médico, o que qualifica o trabalho desenvolvido. Não obstante, a maioria dos médicos que trabalha no programa do Ministério da Saúde, não têm formação na área de especialidade da Dermatologia. Tais médicos sentem dificuldade em reconhecer e tratar doenças de pele, mesmo as mais comuns. É claro que esta dificuldade resulta de uma insuficiência de formação, por ocasião de seus cursos de graduação em medicina. Na realidade, são poucas as escolas médicas que oferecem oportunidade para que seus estudantes acompanhem o atendimento ambulatorial de Dermatologia.

A conseqüência desta formação insuficiente é que mesmo casos simples, como a sarna humana (escabiose), as micoses superficiais mais banais ou as reações medicamentosas mais comuns, não são reconhecidas lá na linha-de-frente, onde estão as equipes de “Saúde da Família”. O resultado é que estes casos sobrecarregam os Centros de Especialidades médicas, ou mesmo os ambulatórios dos hospitais destinados ao atendimento secundário, que atendem ao SUS.

Surge então uma boa proposta, que poderia ser apresentada à Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), a entidade que congrega os dermatologistas brasileiros (estando estes distribuídos por todo o território brasileiro). Por que não programar anualmente um fim-de-semana, em caráter nacional, para que especialistas em Dermatologia, desprendida e voluntariamente, treinem componentes das equipes de saúde? Ou, pelo menos, treinem os médicos que a compõem? As autoridades públicas, tanto as do Ministério da Saúde, como as de Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, não estariam interessadas nesta parceria? Julgo que esta é uma boa proposta, a ser considerada.

Conheço o elevado espírito público dos membros da SBD, sempre preocupados em dar sua contribuição para o atendimento aos mais desvalidos. Esta sugestão poderia ser analisada pelo Conselho Deliberativo da SBD, em sua próxima reunião.

 

Nota do Editor:

Dr. Nelson Guimarães Proença é Professor de Dermatologia e Sócio Honorário da Sociedade Brasileira de Dermatologia.

Ele passou a residir e clinicar recentemente em Campos do Jordão e, preocupado em melhorar ainda mais os conhecimentos das equipes do PSF, se propõe ministrar palestras, de forma voluntária, para dar informações técnicas sobre dermatologia aos agentes.

( * ) International Journal of Dermatology 2007, Vol 46: 466-467.


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