20/01/2011
RAS Especial, 2010
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Especial
Hospitais de Ensino no Estado de São Paulo: seis anos de acompanhamento
Teaching hospitals in São Paulo State: six-year follow-up
Olímpio J Nogueira V Bittar1, Adriana Magalhães2
Descritores
Hospitais de ensino/estatística & dados numéricos
Sistema de informação hospitalar
Análise de dados
Keywords
Hospitals, teaching/statistics & numerical data
Hospital Information Systems
Data Analysis
RESUMO
Em 2004, teve início o processo de certificação e contratualização dos hospitais de ensino no Brasil, liderados pelos Ministérios da Saúde, Educação, Ciência e Tecnologia, Planejamento, Orçamento e Gestão. Criada em 2003, a Comissão Interinstitucional, com a participação dos Ministérios citados e entidades representativas dos hospitais e outras ligadas à assistência, pesquisa e ensino iniciou o acompanhamento destas unidades. No Estado de São Paulo, este acompanhamento ficou sob a responsabilidade da Assessoria para Acompanhamento dos Hospitais de Ensino junto ao Gabinete do Secretário. O acompanhamento dos hospitais foi realizado por meio de relacionamento direto com as unidades, com a utilização de dados do DATASUS e com a criação do Sistema de Avaliação dos Hospitais de Ensino (SAHE), que compreende as informações para uma análise integral da produção, produtividade, qualidade e aspectos financeiros de suas atividades. Desde o início, este processo foi extensivamente documentado, com publicações em periódicos, seminários, reuniões e palestras, o que permitiu a integração entre gestores, administradores e profissionais, com reflexos positivos para a gestão das unidades e melhoria da qualidade da informação.
ABSTRACT
In 2004, the certification and agreement process of teaching hospitals began in Brazil, guided by the Ministries of Health, Education, Science & technology and Planning, Budgeting and Management. The Interinstitutional Commission was created with the participation of the mentioned Ministers and entities representing hospitals and other entities related to assistance, research and teaching started to follow up those units, as the Health Secretary of São Paulo State created the Assessor for monitoring teaching hospitals from the Office of Health Secretary of State. Monitoring of hospitals was made by direct contact with the units, the use of DATASUS, and the creation of Teaching Hospital Evaluation System (SAHE), which includes the information for a complete analysis of production, productivity, quality and financial aspects of their activities. The whole process has been extensively documented since its beggining in periodicals, seminars, meetings, and lecturers. These events have provided integration among managers, administrators and professionals, with positive results for the management of units and quality of services to the community.
Conflito de interesse: nenhum declarado.
Financiador ou fonte de fomento: nenhum declarado.
Data de recebimento do artigo: 03/09/2010.
Data de aprovação: 18/10/2010
1. INTRODUÇÃO
Ao final da atual gestão estadual, neste ano de 2010, é importante fazer um relato da experiência de seis anos no acompanhamento dos Hospitais de Ensino (HE) do Estado de São Paulo (ESP), iniciado em 2004.
O processo de certificação e contratualização destas unidades responsáveis por assistência médica e multiprofissional, ambulatorial e de internação, pesquisas na área e formação de profissionais, tem a participação da Comissão Interinstitucional, composta por quatro ministérios e entidades representativas dos HE, das faculdades, gestores estaduais e municipais e categorias profissionais(1).
A Comissão não se reuniu por dois anos, no período 2008-2009, deixando de tratar assuntos importantes que
1Assessor de Gabinete da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, São Paulo (SP), Brasil.
2Membro da Equipe de Acompanhamento dos Hospitais de Ensino, São Paulo (SP), Brasil.
Endereço para correspondência: Olímpio J Nogueira V Bittar - Av. Dr. Enéas Carvalho Aguiar, 188 - CEP 05403-000 - São Paulo (SP), Brasil - bittar@saude.sp.gov.br
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poderiam ter avançado na melhoria destas unidades, como a definição de novas metas, medição dos produtos da atenção à saúde, pesquisa e ensino, participação em redes, regulação, novas formas de financiamento.
A Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES/SP) participa ativamente do processo, inicialmente por meio da Coordenadoria de Planejamento de Saúde e, posteriormente, junto ao Gabinete do Secretário, na Assessoria para acompanhamento dos HE. Houve um completo entrosamento com áreas da própria SES/SP, bem como com entidades externas, como relatadas em artigo no Boletim Epidemiológico Paulista (BEPA) 72(2), que contribuiu para que uma equipe, ainda que reduzida, implantasse o SAHE e produzisse o primeiro conjunto de informações destas unidades.
A equipe responsável por este acompanhamento estimou em dez anos o período necessário para efetivação do processo, participação integral dos hospitais e modificações estruturais tanto nos HE como nos órgãos gestores. Nestes seis anos, somente três hospitais ainda não participam totalmente do Sistema de Avaliação dos Hospitais de Ensino (SAHE), todos eles sob gestão municipal. Um deles, embora seja certificado, ainda não assinou contrato.
O desenvolvimento do SAHE teve papel educativo, possibilitando que os hospitais conhecessem dados que permitem comparações, com a própria situação de cada serviço ao longo do tempo e com os demais HE, observadas as características peculiares de cada um. A adesão dos HE ao sistema foi excelente, principalmente nas comissões para complementação do SAHE (informações básicas, epidemiologia e qualidade, pesquisa e ensino).
Ao longo destes seis anos, o sistema foi aperfeiçoado com a ampliação da quantidade e qualidade dos dados coletados, maior fidedignidade e possibilidade de cálculos sobre produtividade real, visto que inclui a produção do Sistema Único de Saúde (SUS) e dos pacientes da Saúde Supletiva (SS) descrito detalhadamente no BEPA 77(3). Em relação à SS, foi firmado um termo de cooperação com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), permitindo análise comparativa entre os dois sistemas.
Cabe considerar que fidedignidade é obtida com a publicação, a divulgação dos dados/informações existentes para o necessário debate, o que melhora a qualidade da coleta, do manuseio, da análise e da síntese das informações, e consequentemente a sua qualidade. O uso cauteloso e ético dos resultados iniciais é essencial para garantir a continuidade do projeto.
Nestes seis anos, o número de hospitais participantes chegou a 37, dos quais 34 apresentam dados rotineiramente e mantêm contatos regulares com a equipe não somente em busca de informações, mas dando sugestões para amadurecimento do sistema. Alguns HE solicitam a apresentação de seus dados e os resultados comparados, no próprio hospital, o que tem sido uma oportunidade de correções e atualização de conceitos e regras do processo que inclusive melhoram a comunicação.
Entre as razões que ocasionam dificuldades no trabalho com dados de saúde e hospitalares está a escassez, em nosso meio, de pesquisas operacionais e consequentes publicações de artigos sobre hospitais que permitam comparações, atualização de informações e de técnicas administrativas que possibilitem gerir com maior segurança instituições hospitalares que são complexas, complicadas, de alto custo e alto risco.
Comparar hospitais(4,5) não é uma tarefa fácil, e exige o cuidado necessário para que os dados coletados gerem informações relevantes, permitindo um olhar sobre os HE. Entre estes fatores, temos a especialização em hospitais gerais (28), os especializados em cardiologia (2), os de oncologia (4), o de doenças infecto-contagiosas (1) o de reabilitação de anomalias crânio-faciais (1) e rim e hipertensão (1). Além disto, a diversidade de regimes jurídicos (governamental da administração direta, com e sem "Fundação de apoio", autarquias, organizações sociais de saúde, e privados filantrópicos) confirma quão difícil, mas não impossível, é esta tarefa. Acrescenta-se o fato de alguns serem ligados a universidades, outros vinculados ou conveniados com faculdades, principalmente as médicas.
A sua localização é outro fator relevante. O fato de o hospital estar localizado nas regiões metropolitanas ou no interior do Estado traz diferenças na condução da administração, pois é mais fácil terceirizar serviços de infraestrutura nas regiões metropolitanas do que no interior, entre outras condições.
Avaliar resultados num ambiente dinâmico quando ocorrem mudanças na forma de coleta, de apresentação, de periodicidade, torna as conclusões mais trabalhosas e difíceis. Um dos exemplos foram as mudanças em 2008 da Tabela de Procedimentos SUS, que passou de 8.858 para 4.133 procedimentos da Tabela Unificada do SUS, inclusive com a incorporação na alta complexidade (AC) de procedimentos estratégicos. Mesmo assim,
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participação dos HE no Sistema de Saúde.
O estudo referente aos HE foi documentado com 13 publicações em periódicos, três seminários(6) internos, 10 pôsteres em congressos nacionais e internacionais, além de palestras e reuniões locais. Foi produzido um levantamento de dados demográficos, epidemiológicos e de recursos em saúde, comparando os anos de 1997-2007 e 1998-2008, editado em suplemento da Revista de Administração em Saúde(7). O acompanhamento das mudanças, principalmente decorrentes das transições demográficas, epidemiológicas e tecnológicas, acarretou atualizações importantes na atenção à saúde, pesquisa e ensino, com reflexos na oferta e financiamento dos serviços.
A SES/SP, cumprindo seu papel gestor, divulga aos HE a série histórica de sua produção, permitindo o estabelecimento de parâmetros, de metas, da programação de medidas que colaborarão com a eficiência, a efetividade e a eficácia na atenção à saúde, na pesquisa e no ensino.
Outras informações são necessárias para o completo conhecimento destas unidades, como custos por procedimentos, métodos para melhor estudar particularidades de cada unidade, programas e serviços, valores da economia de escala para implantação ou manutenção de produtos, principalmente de AC, conhecimento de valores financeiros empregados na pesquisa e ensino. Foi dado o primeiro passo, mas é necessário aprimorar estes estudos. Por ser um estudo pioneiro, tomou-se o cuidado especial de não identificar os dados específicos de produção da cada unidade, evitando o uso precipitado e antiético das informações.
Não se deseja que o uso das informações constantes deste documento gere conclusões e buscou-se dar um padrão que permite comparações, conclusões e decisões sobre as decisões superficiais, mesmo porque devem ser levadas em conta as inúmeras variáveis intervenientes no processo saúde-doença, na produção de prevenção, diagnóstico e tratamento, bem como as dificuldades de obtenção de informações e informatização que envolve a área de saúde.
A garantia da viabilidade dos HE excede o que está escrito aqui, mas não é possível ir a lugar algum sem que estes e outros dados sejam coletados e debatidos. Este documento inicia-se com dados de produção, morbidade e mortalidade do DATASUS, seguindo com dados de produção, produtividade e financiamento do SAHE, finalizando com recomendações ao gestor e aos dirigentes dos HE. Valoriza a medição, a criação de parâmetros, a comparação para melhorar a qualidade e a produtividade, e conhecer os custos dos programas e serviços prestados pelos HE para a comunidade paulista, estimulando estudos para sua gestão.
Os processos de certificação e contratualização serão aprimorados à medida que o conhecimento sobre HE permitir adequar a estrutura administrativa e outros recursos à real necessidade tecnológica e exercer monitoramento efetivo dos processos e resultados(8-10). Dentro desta tônica, o financiamento dos contratos também necessitará de inovação.
2. REDE HOSPITALAR DO ESTADO DE SÃO PAULO
A rede hospitalar contratada e conveniada com o SUS/SP conta com 615 unidades com leitos hospitalares, distribuídos em 17 Departamentos Regionais de Saúde (DRS), conforme Tabela 1.
Na Tabela 1, observa-se que 36% dos 457 hospitais gerais do SUS/SP são de pequeno porte (com menos de 50 leitos) e apenas 23% possuem mais de 150 leitos. Por outro lado, parte dos 41% dos HE que se encontram na faixa dos 51 aos 150 leitos está próximo do menor valor, com reduzida resolubilidade como os de pequeno porte.
Estas unidades possuem 82.219 leitos, embora existam no Estado 100.344, respondendo pela diferença os leitos privado não contratados pelo SUS.
De forma geral, a quantidade de leitos existentes é suficiente para atender às demandas, como se pode depreender das baixas taxas de ocupação observadas na Tabela 2. Os HE apresentam taxas de ocupação que atingem em média 69%, superiores aos demais hospitais do Estado e quase o dobro daquelas verificadas nos pequenos hospitais com menos de 50 leitos.
Os leitos existentes não estão uniformemente distribuídos no Estado, necessitando de logística adequada para atender os pacientes. Esta instalação de leitos de maneira desordenada implica dificuldades assistenciais para determinadas microrregiões onde a demanda supera a oferta ou, em outra situação, há ociosidade de leitos.
É preciso cuidado para que o mesmo não aconteça com a aquisição e instalação indiscriminada de equipamentos de AC. Necessita-se de uma revisão e afinação de parâmetros para o atendimento da população e dimensionamento de leitos totais por especialidades e equipamentos diagnósticos de AC.
3. HOSPITAIS DE ENSINO NO ESTADO DE SÃO PAULO
Os hospitais de ensino certificados no ESP estão listados na Tabela 3.
Em 13 de agosto de 2010, foi publicada a Portaria Interministerial 2.310 (13/08/2010), certificando como HE as unidades hospitalares: Hospital de Pronto Socorro, todos de São Bernardo do Campo ligados à Fundação do ABC não participantes deste estudo.
No estudo destes hospitais, levou-se em conta o número de leitos oficialmente contratados ou conveniados pelo SUS/SP constantes do Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde (CNES).
O CNES é preenchido pelos prestadores e representa a capacidade planejada do hospital registrado do contrato ou convênio. Como o sistema não é atualizado por todos os serviços de forma adequada e frequente, é necessário ter cautela em sua utilização para o cálculo de alguns índices. Os dados informados no SAHE demonstram a capacidade operacional da unidade no momento do preenchimento das planilhas. Mesmo assim, quando se usa outra fonte de informações, diferenças ainda são observadas, como é o caso do "informado pelo HE" na Tabela 4, por consulta da Auditoria SES/SP.
Optou-se, neste trabalho, por utilizar os valores constantes do CNES para os cálculos com dados do DATASUS, e os valores do SAHE para os cálculos relativos aos dados coletados por este sistema.
De qualquer forma, a qualidade destas informações deve ser aperfeiçoada pelos gestores e prestadores de serviços, imprescindíveis para o correto planejamento de programas, serviços e unidades de saúde.
3.1. Hospitais de Ensino no SUS/SP com informações do DATASUS/MS
Os sistemas de informações do DATASUS foram estabelecidos inicialmente para faturamento da produção das unidades, mas também têm sido utilizados para estudos epidemiológicos. A fidedignidade das informações foi melhorando ao longo do tempo, com a introdução de inúmeras "críticas" no sistema. São seletivos, pois alcançam
Tabela 1Rede Hospitalar do SUS no Estado de São Paulo, segundo Departamento Regional de Saúde (DRS) - 2009 |
||||||||||||||
DRS |
Hospitais* |
Unidades com leito** |
HE |
Hospitais* |
HE |
|||||||||
≤50 |
51-150 |
≥151 |
51-150 |
≥151 |
|
|||||||||
I |
Grande São Paulo |
107 |
44 |
12 |
18 |
30 |
59 |
0 |
12 |
|||||
II |
Araçatuba |
19 |
5 |
0 |
8 |
10 |
1 |
0 |
0 |
|||||
III |
Araraquara |
17 |
3 |
0 |
8 |
5 |
4 |
0 |
0 |
|||||
IV |
Baixada Santista |
12 |
1 |
2 |
1 |
6 |
5 |
0 |
2 |
|||||
V |
Barretos |
10 |
4 |
1 |
5 |
4 |
1 |
0 |
1 |
|||||
VI |
Bauru |
40 |
6 |
4 |
19 |
18 |
3 |
1 |
3 |
|||||
VII |
Campinas |
37 |
7 |
7 |
15 |
18 |
4 |
2 |
5 |
|||||
VIII |
Franca |
12 |
1 |
0 |
6 |
5 |
1 |
0 |
0 |
|||||
IX |
Marília |
32 |
8 |
1 |
15 |
15 |
2 |
0 |
1 |
|||||
X |
Piracicaba |
12 |
3 |
1 |
2 |
6 |
4 |
0 |
1 |
|||||
XI |
Pres. Prudente |
17 |
4 |
1 |
4 |
11 |
2 |
0 |
1 |
|||||
XII |
Registro |
6 |
1 |
0 |
4 |
1 |
1 |
0 |
0 |
|||||
XIII |
Ribeirão Preto |
20 |
4 |
2 |
7 |
12 |
1 |
0 |
2 |
|||||
XIV |
S. João Boa Vista |
17 |
6 |
0 |
6 |
8 |
3 |
0 |
0 |
|||||
XV |
S. José Rio Preto |
40 |
3 |
3 |
25 |
9 |
6 |
0 |
3 |
|||||
XVI |
Sorocaba |
27 |
10 |
2 |
10 |
14 |
3 |
1 |
1 |
|||||
XVII |
Taubaté |
32 |
11 |
1 |
13 |
11 |
8 |
0 |
1 |
|||||
São Paulo |
457 |
121 |
37 |
166 |
183 |
108 |
4 |
33 |
||||||
Fonte: DATASUS/MS; SIH/SIH /2009 *Geral e Especializado. **Pronto socorro, hospitais psiquiátricos e Unidades Mistas |
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