Escolas Médicas do Brasil

Projeto de Lei n. 65, de 2003 - proibindo novos cursos

 12/06/2007

Escolas Médicas: - COMISSÃO DE SEGURIDADE SOCIAL E FAMÍLIA PROJETO DE LEI Nº 65, DE 2003

Proíbe a criação de novos cursos médicos e a ampliação de vagas nos cursos existentes, nos próximos dez anos e dá outras providencias.

Autor: Deputado Arlindo Chinaglia

Relatora: Deputada Angela Guadagnin

I - RELATÓRIO

A proposição apresentada pelo Deputado Arlindo Chinaglia proíbe a criação de novos cursos médicos bem como a ampliação de vagas nos cursos existentes, nos próximos dez anos, estabelecendo que o Poder Executivo encaminhará ao Congresso Nacional, em prazo determinado, projeto de lei que disporá sobre as atribuições e composição da Comissão de Especialistas em Ensino Médico do MEC.

O projeto também estabelece prazo para que o Poder Executivo, ouvido o Conselho Federal de Medicina, regulamente a validação de cursos de medicina feitos no exterior, considerando, entre outros aspectos, o currículo escolar, a carga horária e acordos de reciprocidade bi ou multilaterais.

Na justificação, o Autor menciona que a proposição tem dois objetivos: proteger a população do País contra a ameaça resultante de cursos de Medicina de má qualidade, e o de proteger os médicos brasileiros do aviltamento das suas condições de trabalho exacerbada pela invasão do mercado de trabalho por diplomados em Medicina, sem a adequada condição de exercê-la.

Foi indicado que o Brasil apresenta uma elevada relação de médicos por habitante e desequilíbrios na distribuição dos médicos em exercício 2 no País, sendo necessário adotar medidas que promovam adequação da distribuição desses profissionais de acordo com as necessidades da população brasileira.

O Autor espera que o projeto contribua para barrar os interesses de uma verdadeira indústria, que tende a produzir uma super-oferta de médicos no mercado.

O controle de entrada de profissionais de outros países no mercado brasileiro foi considerado relevante diante da globalização da economia e, especialmente, da integração do Brasil com o Mercosul, tornando necessária a validação dos cursos realizados no exterior.

Após a apreciação por esta Comissão, o projeto tramitará nas Comissões de Educação, Cultura e Desporto, e de Constituição e Justiça e de Redação, estando dispensada a competência do plenário, para discussão e votação, nos termos do Art. 24, II, do Regimento Interno.

Decorrido o prazo regimental, foi apresentada uma emenda pelo Deputado Elimar Máximo Damasceno, que acrescenta a expressão “a residência médica” no art. 4º da proposição, que trata da validação de cursos de medicina realizados no exterior.

É o relatório.

II - VOTO DA RELATORA

O proposição de autoria do ilustre Deputado Arlindo Chinaglia aborda tema de grande relevância para a saúde da população brasileira, que já motivou a elaboração de vários projetos no Congresso Nacional, na tentativa de solucionar o problema causado pela criação indiscriminada de cursos médicos.

A situação é tão grave que o Conselho Nacional de Saúde (CNS), recentemente, emitiu resolução recomendando a suspensão da criação de cursos por 180 dias.

As estatísticas a respeito da proliferação das escolas médicas são preocupantes. De 1808 a 1988, foram abertas 80 escolas médicas.

Houve um hiato de 6 anos sem abertura de escolas, e de 1994 a 2002, foram abertas 36 escolas médicas, quase 50% do número de escolas criadas em 180 anos! Ressalvo que a maioria das novas escolas são privadas.

É claro que o Brasil é um país em que o acesso à educação superior, de apenas 11%, não é adequado. Nos EUA, Japão e França essa proporção está em torno de 40%, e na Finlândia, de 70%.

Entretanto, a população não está sendo beneficiada pela expansão indiscriminada de cursos na área da saúde, nem no aspecto da eqüidade de acesso à educação superior, pois, repito, a maioria dos novos cursos são privados, nem no que se refere à qualidade do profissional formado.

Vale ressaltar que essa situação não se observa apenas em relação às escolas de Medicina. Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) para 2003, existem 2.793 cursos da área da saúde no País, sendo: 334 de Enfermagem, 165 de Odontologia, 119 de Medicina e 347 de Farmácia.

O Ministério da Saúde estimou que 51% da oferta de cursos na área da saúde está concentrada na Região Sudeste, especialmente em São Paulo, seguido de 21% na Região Sul. A Amazônia Legal tem apenas 6% dos cursos e grande carência de profissionais de saúde. A concentração dos cursos nas áreas economicamente mais desenvolvidas indica que o processo de criação de escolas está priorizando critérios econômicos em detrimento da necessidade social.

Vários diagnósticos realizados desde a década de 70 apontam para graves problemas nos cursos médicos do país, desde a falta de qualificação dos docentes à problemas de infra-estrutura das escolas.

Apesar de nossa CF estabelecer, no seu art. 200, que o Sistema Único de Saúde (SUS) tem competência para “ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde”, o que se observa é a completa incapacidade do setor saúde para exercer essa determinação constitucional, diante de complexas barreiras normativas infraconstitucionais que, por exemplo, permitiram que vários cursos com parecer contrário do Conselho Nacional de Saúde (CNS), sobretudo quanto à avaliação da necessidade social, tivessem a criação homologada pelo Ministério da Educação.

É importante destacar que, em relação a educação superior, por determinação da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o sistema federal de ensino exerce autoridade sobre instituições privadas e federais, e os sistemas estaduais de ensino, sobre instituições de educação públicas estaduais e municipais. Fica evidente que o nível federal e estadual de governo partilham a responsabilidade pela coordenação da educação superior.

Igualmente importante é o entendimento de que as universidades e centros universitários não necessitam de aprovação de instância superior para criar cursos superiores, entretanto, o ato de autorização é necessário às instituições não-universitárias e às universidades que quiserem abrir cursos novos fora de suas sedes.

A situação legal de curso criado ou autorizado, entretanto, é transitória, sendo necessário o reconhecimento do curso para que a instituição de ensino possa conferir diploma. O reconhecimento precisa ser renovado num período de até cinco anos.

Não se pode negar a fundamental importância da autonomia universitária, prevista no art. 207 da CF, mas é igualmente relevante o que está previsto no art. 206: o ensino será ministrado com base no princípio da “garantia de padrão de qualidade”.

Se as universidades têm o direito de criar cursos e ampliar vagas, a população tem direito a ser atendida por profissionais qualificados e o Poder Público tem o dever de exigir padrão de qualidade no ensino. Como escreveu Saulo Ramos: "A noção de autonomia universitária não pode se confundir com a de independência. A sociedade deseja médico que saiba Medicina, que tenha se preparado cientificamente para cuidar da saúde do povo e que não seja, pela precariedade do ensino improvisado na industrialização de diplomas, uma ameaça à vida do paciente."

Estamos diante de uma política de fatos consumados, pois, muitas vezes, cursos começam a funcionar mediante autorização inicial do MEC, mas a visita de reconhecimento do curso é feita tardiamente, criando uma situação delicada, principalmente perante uma turma de formandos.

No sistema federal de ensino, o processo de autorização, reconhecimento e renovação do reconhecimento de cursos superiores são avaliados por comissões de especialistas definidas por portarias do MEC, cujos critérios e procedimentos precisam ser estabelecidos em acordo com o setor saúde.

Uma avaliação criteriosa desses cursos, com base nas diretrizes curriculares aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação e homologadas pelo MEC, também colaborariam para aumentar a eficiência do sistema de formação de profissionais de saúde. O Provão, apesar de bem intencionado, testa atributos de memória e não a habilidade e as atitudes do futuro profissional, e pelo fato de ser realizado no final do curso, não permite a correção de eventuais problemas do estudante.

Considerando a grave situação dos cursos médicos no País, o projeto em análise indica uma intervenção radical na criação e ampliação de vagas desses cursos, entretanto essa ação impediria, por longo período, a criação de cursos e a ampliação de vagas onde se identifique que sejam necessárias.

A proposição também trata da validação de cursos realizados no exterior, e a emenda apresentada inclui a validação dos programas de Residência Médica realizados no exterior. Consideramos que esses relevantes temas estão sendo adequadamente tratados por meio de resoluções do Conselho Federal de Medicina, a exemplo da Resolução no 1.669/2003.

Com o objetivo de aperfeiçoar a proposição, mantendo, porém, a sua essência, apresentamos Substitutivo que acrescenta cinco parágrafos ao artigo 46 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

Uma vez que o problema da criação indiscriminada de cursos não se restringe apenas à área médica, outros cursos superiores da área da saúde foram incluídos como objeto do Substitutivo.

Foi proposto que os critérios para autorização, reconhecimento e avaliação de cursos superiores da área de saúde sejam regulamentados pelos Conselhos de Educação e de Saúde, nos sistemas federal e estaduais de ensino, para garantir que a participação do setor saúde não se limite a um caráter consultivo.

Foi especificado o papel dos Conselhos de Educação e de Saúde na realização de estudos de viabilidade e na autorização dos cursos superiores da área da saúde.

Para aperfeiçoar o trabalho dos comitês e comissões de especialistas estabelecidos para fins de autorização, reconhecimento e avaliação dos cursos superiores, foi proposta a inclusão de pelo menos um representante indicado pelo Conselho de Saúde.

Finalmente, foi indicada a suspensão da autorização e do reconhecimento dos cursos em questão até que os critérios sejam regulamentados. Não se recomendou a suspensão da renovação de reconhecimento por um período de 5 anos a fim de que se possa dedicar, num primeiro momento, maior atenção à regulamentação dos cursos novos.

Diante do exposto, e considerando que foram incluídas alternativas que não se limitam à criação dos cursos superiores, preservando a autonomia universitária, somos pela aprovação do Projeto de Lei no 65, de 2003, na forma do Substitutivo em anexo e pela rejeição da emenda apresentada.

Sala da Comissão, em de de 2003.

Deputada Angela Guadagnin
Relatora 310045.210


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