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Jovens cubanos dão sinais de insatisfação

 17/07/2008

 

ESTADÃO - 22/02/2008 

Jovens cubanos dão sinais de insatisfação

Estudantes esperam que saída de Fidel Castro abra caminho para abertura do regime; maioria da população nasceu após a revolução

Roberto Lameirinhas

Em meio à rotina monótona do câmpus da Universidade de Havana - a mesma em que Fidel Castro formou-se advogado e serviu de berço para a Revolução Cubana -, sinais de descontentamento com o regime se manifestam discretamente. Em forma de críticas veladas à situação econômica, à falta de liberdade política e à pouca expectativa de mudanças significativas no regime.

"Algo vai mudar a partir de domingo (quando a Assembléia Nacional se reúne para escolher o sucessor de Fidel e apresentar as diretivas do governo para os próximos anos)", disse Raquel, de 21 anos, estudante de sociologia. "Quando se chega a um ponto em que todos exigem que se adote um novo rumo, alguma coisa tem de ser feita. Esperamos medidas que aliviem a crise econômica, algum aumento de salário que garanta pelo menos a compra de alimentos. Essas mudanças são urgentes. Não podemos nos converter em um Haiti."

Para o estudante de história Dimitri Santino, de 22 anos, a renúncia de Fidel deve abrir caminho para que as responsabilidades do governo sejam compartilhadas e a população tenha de quem cobrar as ações do Estado. "Fidel sempre tomou as rédeas de tudo e centralizou todas as atribuições de governo. Pode ser que tenha errado algumas vezes, mas Fidel é um símbolo e os símbolos normalmente não sofrem cobranças", disse. "Nem Raúl Castro nem nenhum outro dirigente do partido tem esse mesmo status. E Raúl não tem a mesma habilidade de Fidel de centralizar todas as ações. Assim, haverá responsáveis pelos vários setores do governo. E esses responsáveis, que terão um nome e uma face, serão cobrados por seus atos."

?EQUÍVOCOS?

Dayse Salgar, professora de filosofia da Escola de Ciências Sociais, é uma ferrenha defensora da revolução, mas reconhece "equívocos e contradições" que têm causado o desânimo dos jovens e o declínio na qualidade da educação cubana - cujo modelo é tido há décadas como referência e uma das principais vitrines do regime comunista. "Houve um grande esforço para massificar a educação universitária e, em nome da quantidade, o sistema educacional perdeu algo em termos de qualidade", disse ela ao Estado. "É preciso recordar que somos um país sob um rígido bloqueio econômico e isso causa distorções e contradições na sociedade cubana. É difícil convencer um jovem a estudar quando ele vê seus colegas doutores trabalhando como motoristas de táxi, camareiras e cozinheiros em hotéis para turistas."

Cerca de 70% dos cubanos nasceram depois da revolução de 1959. "As novas gerações não estão tão comprometidas com os ideais da revolução quanto estavam seus pais e avós", disse Dayse. "E esses jovens estão hoje conectados com jovens de outras partes do mundo, com os quais compartilham desejos e anseios, tanto de conhecimento quanto de consumo."

Esses anseios causaram há três semanas uma rara manifestação de cobrança pública de um estudante a um dirigente do regime. Durante um encontro do presidente da Assembléia Nacional, Ricardo Alarcón, com estudantes da Juventude Comunistas, na Escola de Ciências de Computação, na periferia de Havana, um jovem deixou o político constrangido ao questionar por que os cubanos não podiam deixar o país sem a autorização do governo. Alarcón saiu pela tangente. Dias depois, o jovem veio a público para dizer que sua pergunta tinha sido veiculada "fora de contexto" pela mídia estrangeira.

Para evitar incidentes semelhantes e manifestações públicas de dissidência, o regime sempre tomou cuidado para sufocar qualquer movimento de oposição nas universidades. A única forma de organização estudantil permitida é a filiação à Federação de Estudantes Universitários (FEU), vinculada ao Partido Comunista. Seus dirigentes atuam dentro das instituição de forma parecida a dos integrantes dos Comitês de Defesa da Revolução, os CDRs, presentes em cada quarteirão de Cuba para fiscalizar e delatar "atividades contra-revolucionárias".

"Há agentes do regime infiltrado até nas paredes da universidade", disse ao Estado um estudante que pediu para não ter o nome publicado. Encarregada do setor de relações internacionais da FEU na Universidade de Havana, Tanya Rodríguez nega as acusações. "Não delatamos nem perseguimos ninguém. O movimento estudantil segue fortemente comprometido com os ideais da revolução. Há pontos de vista um pouco divergentes, mas, em geral, os estudantes seguem fortemente engajados no apoio ao governo
."


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