16/03/2006
Excelência:
Assistimos com justificada preocupação essa avalanche de novos cursos de medicina, em sua grande maioria, sem a comprovada necessidade social e a inafastável garantia de qualidade.
Em dezembro de 1988 o jornal “O Globo” como que antevendo o caos dos dias atuais, publicou editorial que vale relembrar alguns de seus tópicos - ainda atualíssimos: “Vive-se no Brasil de hoje um aparente paradoxo, a área da saúde: uma população com carências gritantes e um percentual perdulário de médicos por habitante – um profissional para cada grupo de 590 brasileiros, índice duas vezes superior ao recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Fala-se de incúria, ou mesmo de corrupção, na obtenção de uma carteira de habilitação de motorista amador. Cala-se, entretanto, sobre a ausência de habilitação no médico, que é mal muito maior para a sociedade”.
E mais adiante continua: “ Um favor feito a alguns, como se o dever do Estado em matéria de saúde fosse moeda de troca. Um favor feito a alguns, para que, em favor da coletividade sobre um presente de grego: a distribuição da incompetência, da irresponsabilidade e do descaso pela vida humana. Por esses favores, é que nos estão saindo médicos fabricados no afogadilho de fins de semana; médicos sem a residência médica em faculdades sem hospitais; médicos - o que é sumamente grave - a quem se confere um diploma pela simples contribuição dada à receita das respectivas "faculdades" que, a despeito dos notórios altos custos da formação em Medicina, apresentam-se como superavitárias”.
O editorial termina enfatizando: “O que falta, portanto, é a determinação política para o cumprimento de uma exigência apenas elementar, em matéria de governo: o respeito pelo papel social do médico, a reclamar o máximo de escrúpulo na qualificação; e uma dose mínima de pudor, face a esse desajuste entre faculdades de Medicina em excesso e carências de saúde em constante aumento e deterioração. Um desajuste criminoso, que atende ao inútil e fútil de faculdades abertas por prestígio político, enquanto relega o essencial e, sem força de expressão, vital”.
Coincidentemente, nesse mesmo mês, Saulo Ramos , então Consultor da República, fazia publicar no DOU o Parecer SR-78 do qual também transcrevemos em parte, onde marca a coerência da sua posição: “A educação, direito de todos e dever do Estado, não pode ser transformada, sobretudo nos cursos superiores, em simulacro diplomado. A sociedade deseja médico que saiba medicina, que se tenha preparado cientificamente para cuidar da saúde do povo e que não seja, pela precariedade do ensino improvisado na industrialização de diplomas, uma ameaça à vida do paciente; assim como o advogado mal formado é a ameaça ao patrimônio e à liberdade individual; e o engenheiro, sem curso sério, é candidato a construir obras que desabarão.
E finalizou dizendo: “Não se pode permitir, isto sim, o desabamento da estrutura do ensino brasileiro, com a instalação de cursos de medicina sem mínimos recursos, sem hospital na região, sem corpo docente, sem bisturi. O dever do estado é ministrar a educação e, no curso superior, assegurar o conhecimento cientifico que irá, efetivamente, beneficiar a comunidade. O simples diploma não cumpre esta finalidade, antes, seria um estelionato contra a sociedade e uma grave lesão à teologia constitucional”.
Ministro, esse apanhado de trechos dá uma idéia de quanto se falou sobre a crise no ensino médico. Causa-nos indignação e revolta ver que esse quadro, passados quase vinte anos, em nada se alterou no fundamental. O achincalhe com que tratam a classe médica brasileira é repulsivo. Essa vergonhosa e inconseqüente política adotada pelo MEC levou o Brasil, hoje com 154 escolas médicas, ao topo do ranking mundial, deixando para trás a China, a Índia e os EUA. Lamentável!!!
Prof. Dr. Antonio Celso Nunes Nassif