07/06/2012
Repartindo um pão vazio
Não é próprio somento dos últimos dias o discurso do Governo Federal sobre a precariedade de médicos nas topografias mais longínquas dos grandes centros. Aos poucos, a ideia de inflar a massa médica brasileira com mais profissionais foi tomando forma em atos aparentemente segregados, mas que tinham objetivo comum.
Em plano imediato, sob pretensão de fazer a massa inflar em rápido tom, importar médicos foi elencada como primeira estratégia: mesmo flexibilizando o processo, as Universidades, que até então regiam suas seleções, viram-se “convidadas” a aderir a um plano nacional, em que uma única avaliação daria conta de habilitar os diplomas estrangeiros ao exercício em território nacional. No entanto, o plano refletiu o rendimento insatisfatório dos candidatos e uma quantidade minguante, bem aquém das pretensões governamentais, obteve o credenciamento.
Em outra via, esta agora atingindo os futuros médicos e os que pleiteiam a formação especializada, é o Programa de Valorização da Atenção Básica, o PROVAB, que visa à oferta, em condições de assistência ainda com o mesmo retrato de precarização, de recém-formados, em sua grande massa, para locais onde há déficit na fixação de profissionais. Por sorte, os grandes centros formadores de especialistas médicos, dando conta de sua responsabilidade acadêmica e social, tornaram-se alheios ao programa e, gozando de suas autonomias, negaram adesão.
Agora, em recente publicação, os anseios tornam-se mais concretos: trabalhando apenas com uma proporção descabida, o Governo Federal afrouxa o rigor útil à boa formação médica e infla os números de vagas em escolas de Medicina no Brasil. Com o ato, o Brasil ratifica seu posto de 2º país do mundo em número de escolas médicas. Em pouco mais de 10 anos, já foram quase 100 novas escolas!
O equívoco, no entanto, é nítido: tenta-se justificar com a proporção de médicos atuantes no Brasil. Vale nota que já temos quase o dobro preconizado pela OMS! Já a distribuição, outra aresta do plano público, é plenamente justificável: é incabível exercer uma Medicina digna nas condições que hoje existem. Propelem para tempos que nunca chegam a estrutura necessária e o respeito ao médico, que agora se vê minado pela mídia ao compasso do discurso do Governo Federal. Querem, pois, transferir a responsabilidade da assistência em saúde ao médico; mais uma vez: querem que salvemos vidas somente com uma caneta e um carimbo na mão!
Assusta-nos ver o já exorbitante volume de escolas médicas espalhadas pelo país em condições ínfimas de formação: abdicam de hospitais-escolas, ofertam vagas além da capacidade física, isentam-se de financiamento à pesquisa e à extensão e outras atrocidades que refletem as baixas notas nas últimas avaliações, além da ordem crescente de erros médicos em todo o país. E a massa continua crescendo...
Não nos esqueçamos de que um médico fracamente capacitado pode ser muito mais danoso que a falta de um: a baixa qualificação retarda o diagnóstico, onera o sistema com exames e condutas desnecessárias e põe diretamente em risco claro vidas que seriam força de trabalho e desenvolvimento ao país. Assim, muito além de quantidade, investir em qualidade é o melhor dos passos, a mais acertada das medidas.
Por fim, é lamentável que a visão rente dos responsáveis pela medida esteja crescendo e ganhando forma: querem fazer a massa inchar somente com fermento... Esquecem-se, pois, de dar sabor, de impor conteúdo... Eis um pão vazio!
João Brainer Clares de Andrade
Acadêmico do 5º ano de Medicina da Universidade Estadual do Ceará
Membro da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores, Ceará