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Em Minas Gerais - Médicos negociam consulta para garantir clientes

 07/07/2007

Médicos negociam consulta para garantir cliente 

A TRIBUNA DE MINAS
Data: 20/09/2005


Michelle Araujo
repórter

Uma nova realidade mercadológica chegou aos consultórios médicos. O acirramento da concorrência entre os profissionais de saúde tem levado à comercialização do preço da consulta diretamente com o paciente.

O afunilamento dos credenciamentos nas operadoras e planos de saúde e a insatisfação com os honorários pagos estão resultando em consultas mais baratas e rápidas. A situação é admitida pelos representantes oficiais da categoria: Sindicato dos Médicos de Juiz de Fora e Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRM-MG).

O elevado número de médicos na cidade preocupa as entidades. De acordo com o CRM, são 2.400 atuando em Juiz de Fora, uma média de um profissional para 200 habitantes. Número, que segundo o presidente do sindicato, Gilson Salomão, é muito elevado, já que Organização Mundial do Saúde (OMS) calcula como ideal um para cada 800.

Os preços das consultas, que há algum tempo atrás eram fixos e, geralmente, acertados junto às secretárias dos profissionais, hoje, são totalmente flexíveis e negociados diretamente com o médico. Eles estão mais condescendentes, e algumas consultas são reduzidas em mais de 50% em relação ao seu valor original. A empresária B. passou por situação semelhante.

Ela possui plano de saúde, mas alguns médicos não são credenciados à empresa que a atende. Este é um dos principais argumentos para obter descontos. `Já cheguei a pagar R$ 30, sendo que a consulta é R$ 80. Sempre vou à clínica e converso com os médicos para conseguir preços melhores. Nunca tive dificuldade.`

E não precisa possuir a justificativa do plano de saúde para conseguir pagar menos. Segundo a comerciante A., basta um bom argumento para obter descontos. Como exemplo, ela citou a dermatologista que freqüenta a cada três meses. A médica não possui muitos convênios, e a maioria das consultas que faz, segundo a paciente, é particular. O valor estabelecido para quem liga para o consultório é de R$ 120 por consulta. `Nunca paguei este valor, nem na primeira vez que fui atendida. O preço sempre cai, e costumo pagar a metade do que ela pede.`

Mais gente em menos tempo
Para conseguir uma boa remuneração, muitos trabalham em vários empregos e atendem mais pacientes. O resultado é a queda na qualidade e no tempo de atendimento. A doméstica M. reclama da rapidez de alguns profissionais e fala que nem todos são atenciosos. `Tem médico que não olha direito na cara da gente e sai prescrevendo. Já fui em um que nem perguntou o que eu sentia. Não me examinou. Deve ser porque tinha muita gente esperando no consultório.`

De acordo com o delegado do CRM, Jairo Antônio Silvério, um dos motivos para o médico estar mais flexível é o grande número de profissionais que está se formando para o mercado de trabalho.

A cada ano, 160 novos médicos são graduados pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). No entanto, há outras duas instituições de ensino superior, a Universidade Presidente Antônio Carlos (Unipac) e a Suprema, que estão com alunos em formação na área. A Unipac tem turmas de 60 alunos em cada período, sendo que falta apenas um ano primeira turma se formar.

Já na Suprema são 50 estudantes por sala de aula, e a conclusão do curso será em 2009. Em geral, são necessários seis anos de estudo e mais cinco de residência. Quando estes profissionais destas faculdades se formarem, serão outros 220 novos médicos por ano no mercado juizforano.

Consultas nos consultórios saem por até R$ 8, com negociação

Entre os médicos, a negociação dos preços de consultas é restrita às quatro paredes do consultório, e nenhum admite publicamente a prática. Todos, no entanto, afirmam conhecer colegas que fazem preços `camaradas`. De acordo com o médico J., é comum a negociação com os pacientes, pois a maioria dos profissionais atende em vários locais e cada empresa paga um percentual para a consulta. `Ficamos sem parâmetro, já que atendemos no hospital público e são pagos R$ 8 por atendimento e no plano, R$ 25. Como vamos cobrar R$ 100 de um paciente que não tem como pagar e está na sua frente precisando de atendimento?` Muito constrangido, J. disse que, apesar de a maioria dos profissionais ter este tipo de atitude, poucos comentam sobre o assunto. Sobre o inchaço do mercado, ele não se considera ameaçado e diz que só faz a negociação, dependendo do caso do cliente. `Quando o médico é bom, não precisa baixar o preço para segurar paciente. Mas se for novato, certamente terá que cobrar de forma diferenciada.` A Tribuna procurou diversos profissionais em especialidades diferentes, e nenhum quis falar sobre o tema, ainda que sem identificação do nome.

Valor de tabela
O presidente do Sindicato do Médicos de Juiz de Fora, Gilson Salomão, é categórico. `Esta é uma nova realidade de mercado. O médico pode negociar seu honorário como lhe convier, mas é importante que estes colegas tenham consciência do valor mínimo, que é uma de nossas principais lutas.` Para Jairo Silvério, esta retração de preços acaba levando ao serviço de qualidade inferior. Segundo ele, há especialistas consultando a R$ 8. `Sabemos que os médicos negociam, e muitos fazem isso em função da concorrência. Nossa preocupação é com a qualidade, que acaba caindo em função do grande número de trabalhos que o profissional assume.`

Gilson Salomão salienta que o sindicato pretende monitorar a cobrança de preços muito irrisórios. Este mês, após mais de dois anos requerendo atualização da tabela de Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM), a categoria conseguiu que os planos de saúde aumentassem os preços das consultas. Antes, o valor era de R$ 25, agora os preços variam de R$ 33,60 até R$ 42. `Não podemos admitir que um colega cobre menos que a tabela, que tem sido uma de nossas principais bandeiras`, diz. `Os médicos devem ter remuneração justa e melhorar a qualidade do atendimento`, conclui o delegado do CRM-MG, Jairo Silvério.

Restrição visa a equilíbrio financeiro

Os planos e seguradoras de saúde confirmam a restrição na entrada de novos médicos credenciados. Para o diretor da Ame, Aloysio Fellet, a admissão de novos profissionais é feita através de negociações, observando cada caso. `Para se filiar à Ame, o médico não paga taxas, mas só é admitido quando a empresa necessita de demanda na especialidade que ele oferece.` O ideal, segundo Fellet, é que o profissional envie o currículo. Caso a empresa se interesse, é feito o contato. Atualmente, a empresa possui cerca de 300 médicos, entre credenciados e efetivos.

A operadora de saúde SulAmérica está temporariamente fechada para novos credenciamentos. Segundo a supervisão regional da empresa, o número atual de médicos já é o ideal para a configuração de pessoas que possuem a assistência em Juiz de Fora.

No entanto, todos os pedidos e currículos são analisados, e, quando há necessidade de aumento de alguma especialidade, são feitos recrutamentos. A SulAmérica exige, como requisito, o título de especialista, cinco anos de formação e avaliação dos estabelecimentos onde o médico atua. A empresa não revelou o número de credenciados que possui, alegando ser um dado estratégico.

Demanda x procura

A Unimed também está restringindo novos credenciamentos. De acordo com o diretor-presidente Hugo Campos Borges, o recrutamento depende da carteira de clientes. `Os serviços e médicos oferecidos pela Unimed estão dando conta da demanda atual. Não podemos inchar nossos quadros, senão corremos o risco de ter problemas internos. Procuramos o equilíbrio entre o cooperado e o cliente.` Hoje, são 1.100 médicos, para cerca de cem mil clientes. Para se fazer parte da cooperativa, o novo médico compra uma cota - atualmente, o valor é de R$ 10 mil, mas, segundo Borges, este preço será reajustado nos próximos recrutamentos.`

A Tribuna entrou em contato com os planos MasterClean, Plasc eSaúde, mas não obteve retorno das ligações.

O que dizem os clientes

`Já cheguei a pagar R$ 30, sendo que a consulta é R$ 80. Sempre vou à clínica e converso com os médicos para conseguir preços melhores. Nunca tive dificuldade`.
B., empresária

`Tem médico que não olha direito na cara da gente e sai prescrevendo. Já fui em um que nem perguntou o que eu sentia. Não me examinou. Deve ser porque tinha muita gente esperando no consultório.`
M., doméstica

`Nunca paguei este valor, nem na primeira vez que fui atendida. O preço sempre cai, e costumo pagar a metade do que ela pede.`
A., comerciante

O que dizem os médicos

Ficamos sem parâmetro, já que atendemos no hospital público e são pagos R$ 8 por atendimento e no plano, R$ 25. Como vamos cobrar R$ 100 de um paciente que não tem como pagar e está na sua frente precisando de atendimento?`
médico J.

`Esta é uma nova realidade de mercado. O médico pode negociar seu honorário como lhe convier, mas é importante que estes colegas tenham consciência do valor mínimo, que é uma de nossas principais lutas.`
Gilson Salomão, presidente do Sindicato do Médicos de JF

`Sabemos que os médicos negociam, e muitos fazem isso em função da concorrência. Nossa preocupação é com a qualidade, que acaba caindo em função do grande número de trabalhos que o profissional assume.`

Jairo A. Silvério, delegado do CRM

 


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