20/07/2008
Os números e as contas
Po Paulo Calhau
Em termos europeus estamos bem colocados, com um ratio médico/10.000 habitantes equivalente ou melhor do que um significativo número de países cuja prosperidade e desenvolvimento se não discutem.
Faz então algum sentido interrogarmo-nos:
- Temos efectivamente falta de médicos?
A resposta é:
- Sim, mas...
A contingentação das vagas nos cursos de Medicina verificada nas décadas de 80 e 90 – cuja responsabilidade foi repartida por governos e universidades – teve consequências graves no desejável e natural rejuvenescimento da classe médica e na sua sustentabilidade numérica.
Já neste século, o alargamento do numerus clausus – uma vez mais decidido para o próximo ano lectivo – tentou inverter essa tendência e corrigir uma fragilidade que, decorrente da longa duração da formação pré e pós-graduada, levará algum tempo a ser ultrapassada.
Quando comparada com a realidade que vivi ao longo da minha formação pré-graduada, a situação actual nas nossas sete Faculdades de Medicina revela um ratio número de assistentes/número de alunos bem mais positivo, que terá contribuído para a melhoria dos níveis qualitativos de aprendizagem, em particular na sua vertente prática.
Mas as Faculdades estão asfixiadas financeiramente e as condições concretas para o desempenho da actividade docente estão aquém do desejável, o que poderá condicionar a aparente justeza da decisão governamental de no próximo ano lectivo abrir mais 65 vagas do que no ano transacto.
A leitura do “World Health Statistics 2008”, da responsabilidade da Organização Mundial de Saúde – disponível em www.who.org – permitiu-me consultar os dados mais actualizados de cerca de setenta indicadores de saúde dos 193 países que integram aquela prestigiada organização internacional.
No que refere ao número de médicos, permitam-me que assinale – espero que sem maçar – alguns números que organizei de forma pessoal:
- Portugal 33 médicos/10.000 habitantes.
- Países do ´G8`: Rússia 43 Itália 37 Alemanha 34 França 34 EUA 26 Austrália 25 Japão: 21 Reino Unido 23 Canadá 19.
- Países ´emergentes`: China 14 Brasil 12 África do Sul 8 Índia 6.
- PALOP: Cabo Verde 5 S. Tomé e Príncipe 5 Guiné-Bissau 1 Angola <1 Moçambique <1.
- Outros Países Europeus: Espanha 33; Escandinávia (Noruega 38 Dinamarca 36 Suécia 33 Finlândia 33); Países da ex-´Cortina de Ferro` (República Checa 36 Polónia 20 Bulgária 3); e ainda: Grécia 50 Suíça 40 Holanda 37 Áustria 37 Irlanda 29 Albânia 12.
Servem estes números para demonstrar que, particularmente em termos europeus, estamos bem colocados, com um ratio médico/10.000 habitantes, equivalente ou melhor do que um significativo número de países cuja prosperidade e desenvolvimento se não discutem.
Faz então algum sentido interrogarmo-nos:
- Temos efectivamente falta de médicos?
A resposta é:
- SIM, MAS...
A resposta é SIM, porque (entre outras razões):
- a política restritiva de abertura de vagas nos anos 80 e 90 veio provocar um fosso entre uma geração que se está a aposentar (em idade legal ou por via de reformas antecipadas) ou que caminha célere para essa situação e uma nova geração de clínicos numericamente minoritária.
- a distribuição pelos médicos em termos geográficos é assustadoramente desequilibrada e perversa e essa assimetria não tem sido eficazmente combatida pelos responsáveis.
- o número de médicos de Medicina Geral e Familiar e de algumas outras especialidades é claramente deficitário e essa distorção levará tempo a corrigir.
- o número dos enfermeiros está muito longe das médias europeias de excelência.
- as atribuições e competências dos enfermeiros estão muito aquém das assumidas nos países mais evoluídos no sector.
- o aparelho administrativo é insuficiente e genericamente mal preparado.
- a informatização chegou tarde aos Serviços de Saúde.
- a produtividade dos profissionais da saúde – nos mais diversos escalões e nos diferentes regimes laborais – está muitas vezes aquém do exigível.
A resposta é SIM, MAS... porque (fundamentalmente):
- noutras condições estruturais, orgânicas e administrativas, o número de médicos existentes e em formação – em Portugal, mas também em Espanha e na República Checa – poderia revelar-se adequado às necessidades do nosso país.